quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Produto Final

Eu podia resumir este texto em apenas uma sentença: mulheres são interesseiras. E ponto. Contudo não farei isso, pois sei que não é inteiramente verdade. Esta frase, embora tenha a sua parcela de verdade, é geralmente dita por homens que procuram dar justificativas para as suas tentativas fracassadas de aproximação com o sexo feminino. Sei disso porque já a disse muitas vezes. Tente relevar, nós somos humanos; é sempre mais fácil culpar o outro lado.


Apesar da parcialidade que não faço questão de esconder, me esforçarei para não escrever um texto machista demais. Já vou adiantando meus pedidos de desculpas quanto às generalizações que irei fazer, pois sei que existem muitas mulheres decentes, dignas e companheiras neste mundo que podem se sentir incluídas nos meus comentários. Espero que essas mulheres não se sintam ofendidas.
Vou começar falando brevemente do caso que me inspirou para escrever este texto. Recentemente os noticiários da televisão falaram sobre o julgamento da viúva do ganhador da Mega-Sena. Se ela foi ou não a mandante do assassinato do seu marido eu não sei. Nem me importa saber. O que mais me chamou a atenção foi a origem do relacionamento entre os dois. Como é comum nestes casos de milionários, a mulher só foi se “apaixonar” pelo cara depois que ele ficou rico. Não digo que é impossível um cara desprovido de beleza ficar com uma mulher maravilhosa (há casos que até hoje me deixam de queixo caído), mas quando há muito dinheiro na jogada sempre suspeito das reais intenções da parceira. Não só eu, como todo mundo.
Na verdade esse exemplo de bela viúva que herda os bens do marido rico, feioso e morto é muito extremo. Eu diria que ele é até clichê. O que quero dizer é que não é preciso o homem ser milionário para uma mulher manifestar interesse nos bens materiais que ele tem a oferecer. Até porque há poucos ricaços no mercado. Para ilustrar isso, acho melhor dar um exemplo mais próximo do nosso cotidiano.
Uma vez conheci uma bela advogada loira de trinta e poucos anos. Como é de costume acontecer comigo, ela começou a falar de um cara que estava interessada. Parece maldição: quando enfim conheço uma mulher solteira e legal que não se esquiva ou foge de mim, ela começa a falar de algum sujeito de que gosta. Como se eu quisesse ouvir esse tipo de coisa... Acabei ouvindo de qualquer forma. A história de vida do homem era a seguinte: ele apanhava dos pais quando era criança, fugiu de casa, foi morar nas ruas, catou papelão, revirou lixo para poder comer etc. História realmente comovente, sem ironias. Mais ainda foi a reviravolta: o cara cresceu, se tornou campeão de natação, hoje em dia é dono de uma rede de academias de ginástica e dá palestras sobre superação e empreendedorismo.
Depois de me contar essa história tocante, a advogada veio me dizer que estava apaixonada pelo sujeito e que se sentia infeliz porque ele não estava interessado nela. Não pude deixar de perguntar se ela o amaria mesmo se ele ainda fosse morador de rua. Ela obviamente disse que sim. Embora ela me transmitisse a imagem de ser uma boa pessoa duvidei momentaneamente da sua sinceridade. Uma advogada parecida com a Barbie namorando um mendigo. Acredito...
Mudando de assunto, falemos agora dos homens pobres e de aparência mais ou menos que enriquecem rapidamente como por exemplo, os músicos e os jogadores de futebol. Sinceramente não acredito que estes caras sejam tão ingênuos a ponto de acreditarem que as mulheres fáceis que surgem nas suas vidas gostem deles de verdade. Elas só estão com eles por causa do dinheiro e eles sabem disso. Eles apenas se aproveitam da situação, obtendo prazer. Vejo a situação da seguinte forma: quando você tem muito dinheiro, ficar sozinho se torna uma opção. As companhias antes negadas podem ser facilmente compradas. Não culpo esses senhores por quererem ficar ao lado de mulheres que antes só habitavam os seus sonhos.


A gente também tem que entender o lado das mulheres. Os românticos que me perdoem, mas vamos ser realistas dessa vez: não dá para viver só com amor. Amor não enche barriga, a não ser que surja uma gravidez no meio da história. Dinheiro é poder. Garante segurança, estabilidade e padrão de vida. Acho que todo mundo, homens e mulheres, querem isso. Essa segurança que o dinheiro proporciona. Por este motivo compreendo quem deseja optar por ficar com alguém que lhe oferece tudo isso. Mesmo assim acho errado construir uma relação baseada no interesse financeiro.
Tenho que fazer uma ressalva. O dinheiro não é a única forma de interesse não-romântico que desencadeia um relacionamento. O reino animal nos dá o exemplo da força. Muitas vezes o maior macho do bando, por ser o mais forte é aquele que possui mais fêmeas a disposição para procriar. Há a questão da idade também. Existem mulheres que preferem somente homens mais velhos. Elas afirmam que eles são mais maduros e acabam renegando homens da mesma idade que elas, generalizando-os e taxando-os de infantis. Aí novamente entra a questão do interesse: fica-se com um homem mais velho para se autoafirmar como uma pessoa madura demais para sua idade. A psicologia diz que isso é uma forma de substituir a figura paterna. Não importa. Seja pela proteção ou pela experiência é tudo interesse. O amor entra em segundo plano. Pode ser construído ou não ao longo do tempo. Para algumas mulheres antes mesmo de se apaixonar por alguém é mais importante estabelecer critérios e assim eliminar pretendentes, sem sequer dar a chance de conhecê-los melhor.
Não me canso de pensar na situação reversa. Algo como a história do Aladdin. Estou exagerando. Não precisa ser algo tão surreal quanto o amor entre uma princesa e um malandro de rua. Fica difícil imaginar até mesmo uma pessoa normal em questões financeiras, como um professor ou auxiliar de escritório, ficando com uma grande artista pop. Diferente dos homens, as mulheres quando atingem sucesso financeiro ficam com companheiros de igual condição financeira, no mínimo. Estou mentindo? Na vida real são bem escassos os Cinderelos.


Na minha concepção o legal de um relacionamento é que nele duas pessoas que se amam, amadurecem juntas em um esquema de parceria. Havendo essa cumplicidade constroem uma vida toda juntas, passando por tentativas e fracassos, experiências boas e ruins, reviravoltas e voltas por cima. Para mim isso é bem mais divertido, para muitas mulheres não. Para elas acaba sendo mais conveniente arrumar um namorado com carro do que um que está reunindo dinheiro para comprar um. É aquela velha história do carpe diem: a vida além de passageira é uma só. Melhor então aproveitá-la às custas de um otário que banque todo o luxo que precisa. Trabalhar para quê? Mas também justiça seja feita: existe muito homem que quando enfim consegue ter uma vida melhor, muda de companheira, que pode até não ser a mais bela das mulheres, mas que tem seu mérito por ter passado com ele pelos momentos de dificuldade. Chame-me de careta, bunda-mole, conservador, o que quiser. Acho isso errado.
Para muitas mulheres o produto final é tudo que importa. O homem bem sucedido. Estabilizado. Seguro. A aparência, a personalidade e o carinho são elementos acessórios. É mais seguro ficar com o produto final do que com o produto em construção, porque neste não há certeza de um futuro melhor. O relacionamento entre homem e mulher transformou-se em uma constante troca de interesses. Você se mantem aceitável para elas, enquanto durar o seu cargo de prestígio social elevado e enquanto chegar o seu contra-cheque polpudo e certo no fim de cada mês.


Sinto muito se transmiti a imagem de amargurado durante o texto. Anos e anos sendo substituído por concorrentes mais interessantes (R$) acabaram me deixando assim. Porém sempre há esperanças. Estou fazendo minha parte desde já. Não procuro usar meu currículo para impressionar uma mulher. Só meu coração. Encontros para mim são diferentes de entrevistas de emprego. Infelizmente até agora essa estratégia ousada vem dando errado. Espero que ela dê certo enquanto ainda sou pobre. Caso por milagre minha vida se transforme na história do otário que deu certo, não renegarei as minhas ideias registradas aqui hoje. Manterei a distância das sanguessugas interesseiras e continuarei forever alone, trancafiado no subsolo da minha futura mansão. Ou então irei me refugiar na Lua. Melhor desistir do que viver até os meus últimos dias dentro de uma ilusão.

PS: Pensei em inúmeros exemplos e decidi não colocar fotos de casais  famosos da vida real para ilustrar algumas passagens. Não conheço a vida íntima dessas pessoas então achei mais justo não falar nada. Aposto que alguns exemplos devem ter passado pelas cabeças de vocês.
PS2: Crônicas Faraônicas está em recesso. Retorno em março. Até lá!

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Um Presente Em Especial

Pularei aquele velho discurso do verdadeiro significado do Natal e irei direto ao assunto. Para muitas pessoas essa época do ano significa uma oportunidade de ganhar presentes dos outros. Para mim, Natal é sinônimo de comilança, de encher a pança até não aguentar mais. Contudo não negarei que a expectativa de ganhar presentes, embora pequena, também me deixa ansioso para a chegada do Natal. Não preciso nem dizer que o velho Noel não distribui presentes para todo mundo. Pouco importa se você foi bom ou mal durante o ano. O que determina o recebimento ou não de presentes é outra coisa, mas isso não vem ao caso. Não hoje pelo menos.
Acho que todo mundo já teve um presente de Natal inesquecível que marcou sua infância. Boa parte da magia do Natal contemporâneo está aí, nos presentes ganhos, para o desagrado dos fiéis mais fervorosos. Podemos passar horas falando do verdadeiro significado do Natal, mas sejamos francos: a criançada nessa data só está interessada em ganhar presentes. Comigo não foi diferente. Nunca ganhei muitos presentes, porém um em especial jamais foge da minha memória: o Game Boy Color que ganhei no Natal de 2002.


Antes de começar a história, permita-me contextualizar minha vida gamística da época. Eu era um assíduo comprador da revista Nintendo World, mesmo não tendo um console Nintendo dentro de casa. Meu videogame era o Master System da Sega. Aí já viu né: nos anos 90, enquanto as pessoas jogavam Super Mario World, eu jogava Sonic The Hedgehog. Mas isso é historia para outro dia.


Alguns meses antes do Natal vi o Game Boy Color num encarte de uma loja. Ele estava num preço promocional, mais barato e, além disso, na compra do portátil vinham dois jogos de graça. Não podia deixar essa oportunidade de enfim ingressar no universo nintendista passar.
Assim, aos poucos fui reunindo dinheiro para comprá-lo. Entretanto acabei não conseguindo dinheiro o suficiente. Meus pais se comprometeram a contribuir, mas acabaram me dando uma rasteira, “magicamente” se esquecendo do que haviam prometido. Eu e meu irmão juntamos nosso dinheiro mas também não deu. Só conseguimos metade da grana. Aí apareceu meu avó que contribuiu com o restante.
Não me esqueço daquele dia que fomos os três comprar o Game Boy. Antes de sair de casa contamos o dinheiro e vimos que estavam faltando alguns reais. Aí saímos caçando moedas. No final deu tudo certo: pagamos o Game Boy Color à vista, em dinheiro vivo, na quantia exata, até mesmo os 99 centavos derradeiros da cifra. Voltamos para casa com ele. Um Game Boy Color novinho em folha na caixa, modelo lilás transparente. Os jogos que o acompanharam foram Snoopy Tennis e um jogo mediano da turma dos Looney Tunes.


Obviamente depois disso eu e meu irmão passamos dias jogando. O duro era ter que revezar: nenhum dos dois queria largá-lo. Íamos revezando, uma hora de jogatina para cada um. Relembrar dessa minha época de viciado em Game Boy Color me fez perceber agora, o quanto de dinheiro que devo ter gastado em pilhas em todos estes anos em que joguei. Em média, eu gastava 4 pilhas comuns em 3 dias. Embora a balconista do mercadinho aqui do meu bairro não comentasse, eu pudia sentir que ela ficava imaginando de que forma eu gastava tantas pilhas e tão rapidamente.
O único problema do meu Game Boy Color eram os jogos. Rapidamente me enjoei dos dois que vieram de graça com ele. Na verdade eu só queria ter um Game Boy Color para jogar poder jogar Pokémon. Era a grande febre da época: uma criança do início dos anos 2000 que não jogasse Pokémon corria o risco de ficar traumatizada pelo resto da vida. Na época a versão mais recente que tinha era a Crystal, lançada em 2001. Procurei-a em diversas lojas, mas não a achei em lugar nenhum. Numa delas a vendedora me disse que o jogo já havia saído de linha. Talvez isso justificasse o preço baixo do Game Boy Color que comprei: a sua extinção. O console portátil vivia seus momentos finais e poucos jogos estavam sendo lançados para ele. A novidade mesmo era o seu sucessor Game Boy Advance, e eu certamente não tinha condições de comprá-lo.


Mas para mim o Game Boy Color era novo. Eu queria jogá-lo. Não é porque meu videogame era defasado que eu não iria aproveitá-lo, deixando-o mofar em casa. Foi muito duro consegui-lo. Sem chances de adquirir um bom jogo original fui até ao Mercado Popular da Uruguaiana, no centro do Rio, para comprar uma versão pirata de Pokémon pela metade do preço. Não quero fazer apologia à pirataria, mas confesso que por anos comprei jogos de Game Boy Color por lá. Até compraria jogos originais, contudo os únicos que as lojas vendiam na época para Game Boy Color eram Indiana Jones, de quem sequer sou fã, e Tetris, que podia ser comprado em qualquer esquina na famosa versão monocromática intitulada Brick Game.


Hoje em dia meu Game Boy Color está aqui em casa aposentado graças ao PC. No computador continuo desfrutando a pirataria só que ela não é mais física como antigamente. É a tal da pirataria virtual. De vez em quando baixo algumas roms para me divertir. O engraçado é que algumas roms são de jogos que possuo em cartucho.
Apesar do divertimento proporcionado pelas roms, jogar no PC não é a mesma coisa que jogar no Game Boy. Só quem teve um sabe como é boa a sensação de ver o indicador de energia brilhando depois de ligá-lo. O acender daquela pequena luz vermelha me trazia uma sensação de felicidade. A luz brilhava vivamente com as pilhas novas e com o seu desgaste ela ia enfraquecendo aos poucos até apagar de vez. Só agora vejo como o Game Boy Color era uma videogame poético. Ele morria e renascia muitas vezes nas minhas mãos. Eu sempre tinha o poder de fazê-lo renascer através de um simples gesto: substituindo pilhas velhas por novas, eu fazia ressurgir um velho amigo que se encontrava adormecido.
Posso parecer ridículo dizendo isso, mas meu Game Boy Color foi um grande amigo meu durante anos. Passei muitos momentos de alegria com ele. Diferente dos videogames atuais, ele não tinha efeitos em 3-D ou gráficos esplendorosos, mas a visão e o controle dos acontecimentos daquela pequena tela bidimensional me eram suficientes. Toda vez que jogava sentia que se abria uma janela secreta de um mundo novo só para mim e eu me sentia um privilegiado por isso. Obrigado Game Boy Color.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Um Mensageiro Do Céu

Apesar do meu nome um tanto quanto religioso, eu não o sou. Até já fui, entretanto não sou mais. Da infância até meados da adolescência eu ia para igreja católica todos os domingos por insistência dos meus pais. Agora que sou adulto não frequento mais. As razões para essa mudança? Creio que o estudo da história e a cultura pop subverteram a minha cabecinha católica. Indo às missas, eu me sentia que nem a personagem da Linda Fiorentino no filme Dogma. Não é a toa que esse filme do Kevin Smith foi tão criticado pelos setores religiosos na sua época de lançamento. Ele permite alguns questionamentos. Assistindo-o pude perceber que tal qual a personagem eu ia para igreja mais pelo hábito do que por qualquer coisa. Os sermões entravam no meu ouvido e saiam pelo outro, não dava mais para viver me enganando. Agora eu apenas acredito em uma força maior. Certeza absoluta eu não tenho. Apenas acredito, apesar de não ir mais à igreja.


Para preencher essa lacuna vazia do meu horário nas minhas manhãs dominicais, criei o hábito de caminhar. A verdade é que este pássaro que vos fala adora fugir da gaiola em que vive. Se tivesse a oportunidade o faria mais vezes. Não me falta vontade de abrir minhas asas e voar até lugares mais distantes. Porém faltam condições para isso e principalmente companhias dispostas a andar com este silencioso cigano das cidades.
Só me resta andar pelos costumeiros lugares comuns de sempre. Os cenários se repetem e nunca vejo nada de novo, mas sempre retorno a eles. O legal é que presencio situações que me servem de inspiração para contar histórias. Confesso que me sinto como o Forrest Gump às vezes. A diferença é que em vez de correr rapidamente como ele, eu caminho vagarosamente. Também há o fato de que correndo, o Forrest chegava a vários lugares e eu caminhando nunca chego à lugar algum. Continuo a andar em círculos, não só nas caminhadas, como na vida.


No último domingo não foi diferente. Cenário: Quinta da Boa Vista. Dei apenas uma volta na área e resolvi me sentar num dos bancos verdes que tem por lá. Do nada resolvi reatar um velho hábito meu da adolescência. Eu costumava me sentar lá nos domingos e ficar refletindo sobre a minha vida, os acontecimentos da semana, os aborrecimentos, as alegrias etc. Fazia isso em voz alta. Parece estranho, mas é uma atividade libertadora. Eu diria até que terapêutica. Sempre me sentia renovado depois de fazer isso. Logo, decidi sentar-me num ponto estratégico de pouca circulação para evitar olhares curiosos e acusadores. Acredite, já tive experiências semelhantes a essa antes. Por isso aí vai um conselho: caso queira falar sozinho, certifique-se antes que você está realmente sozinho. Caso contrário irão te julgar como louco.
Infelizmente fiquei mais uma vez sem a minha reflexão semanal. Poucos minutos após eu ter me sentado pude avistar de longe um sujeito caminhando em minha direção. Antes mesmo de falar com ele, pude perceber que ele era membro de alguma igreja: o homem era negro, aparentava ter entre 50 e 60 anos, trajava camisa social por dentro da calça comprida, usava sapatos pretos e carregava uma pequena maleta. Perdoe-me pela minha grosseira sinceridade, mas parecia que ele tinha os dizeres “testemunha de Jeová” estampado na testa. Não deu outra. No primeiro momento meu instinto era fugir dali, contudo resolvi ficar para ver no que ia dar. Afinal, não devo nada a ninguém. E não havia certeza de que ele ia falar comigo.
Acho melhor eu justificar a minha implicância. Não sou intolerante quanto a credo ou religião alguma. Aceito bem as diferenças. De verdade. O problema é que por anos fui atormentado pelas testemunhas de Jeová batendo no portão da minha casa. Achava isso irritante e desnecessário: posso até estar falando besteira, mas imagino que até mesmo os ateus sabem da existência de Deus. Não é necessário ficar divulgando-o de porta em porta. Sempre tive vontade de dar o troco, seguindo-os até as suas casas para bater nas suas portas em horários inconvenientes do mesmo jeito que faziam na minha. Apesar disso, nunca os tratei com hostilidade. Por vezes quando eu não os ignorava fingindo estar dormindo, eu os atendia. Só que eu me dizia ocupado para escutá-los, mesmo não tendo ocupação alguma no momento. Não me julgue mal. Sei que isso não justifica, mas sei que tem gente que faz coisa pior.


Entretanto tudo isso é passado. Traquinagens de moleque. Não posso negar a minha realidade atual: bem ou mal sou um estudante de jornalismo. Parto do pressuposto de que um dia serei jornalista. Por todas essas longas estradas nas quais adquiri conhecimento que percorri, sempre questionei a utilidade prática de certas coisas que aprendia. Sejamos honestos: existem coisas que estudamos somente para fazer prova e tirar boa nota. No mundo real não possuem valia. Não é o caso do diálogo. Embora eu não tenha a aula ”diálogo” sei que tê-lo constantemente com as pessoas é importante não só para profissão como para vida. Como jornalista devo saber escutar as pessoas mesmo discordando inteiramente das ideias delas. Não custa nada ouvir o outro lado. Estando livre, porque não estabelecer um diálogo com um desconhecido?
Sempre fui bom ouvinte apesar de não falar muito durante as conversas. Por razões desconhecidas as pessoas sentem-se à vontade conversando comigo. Eu devia ser psicólogo. Só não me peçam para guiar os rumos de uma conversa. Se depender só de mim, um bate-papo eventual e não programado se encerra em menos de um minuto. Digamos que eu tenho mais perfil de comentarista do que de apresentador.


Voltando a história, não cedi ao impulso de fugir. O homem aproximou-se, sentou-se do meu lado e começou a conversar comigo. Não demorou muito para ele tirar a Bíblia da sua maleta. Tenho que compartilhar a sensação que tive: acho que o cara resolveu conversar comigo porque pensou que eu era um delinquente que estava ali com a intenção de assaltar alguém. Eu estava de boné, camiseta e bermuda. Mesmo sem essas roupas eu tenho cara de marginal. Ele deve ter pensado que valia a pena tentar me salvar. Ou melhor: salvar outras pessoas de algum mal que eu pudesse cometer a elas. Devo relembrar que estou apenas especulando. Um velho hábito de um misantropo que não confia em ninguém.
Eu lhe ouvi atenciosamente. Para minha enorme surpresa eu lhe escutei sem fazer as minhas caretas de deboche costumeiras. Realmente ele me deu coisas a pensar como a ganância do homem e o individualismo existente na nossa sociedade. Enquanto conversava com ele pude perceber que os seus olhos eram amarelados, já desgastados pelo tempo. Certamente eles viram mais coisas do que os meus. Até por isso eu respeitei o que ele me dizia. Seus olhos me transmitiam maturidade e experiência, coisas que eu, um jovem mancebo, ainda pouco possuo.
Contudo o que mais me impressionou nele foi sua fé. Um homem velho com tanta fé e eu novo sem nenhuma. Ele realmente acredita que um dia teremos o paraíso na terra. O homem me contou a sua história de vida: após anos de serviço e lealdade trabalhando como um bom funcionário, seus antigos patrões lhe demitiram e ele agora luta na justiça pelos benefícios a que tem direito. Em seguida ele me mostrou uma passagem na Bíblia que dizia que um dia a terra seria dominada pelos mansos. Ele acreditava nisso de verdade. Guardei para mim o pensamento de que duvidava que isso fosse se concretizar. Já fui tantas vezes o pacato cara legal que perdeu para gente chamativa, gananciosa e com "sangue nos olhos", que duvido que essa reversão de domínios se realize. Embora eu tenha menos tempo de vida do que aquele homem as minhas experiências me tornaram mais cético do que ele. E pelo visto ele já sofreu mais do que eu por conta de sua serenidade. Por isso sua fé me impressionou bastante.
Outro assunto que chamou a minha atenção na conversa com o homem foi o que ele me disse sobre o diabo. Segundo ele, o tinhoso não aparece para nós na forma vermelha e caricata construída pelo imaginário popular. Ele usa diversos disfarces para nos iludir e seduzir. No momento eu achei aquilo cômico e segurei o meu riso. No dia seguinte, olhando o álbum de fotos de uma bela garota que acabei de conhecer, pude vê-la posando bem sexy numa foto, fantasiada de diabinha. Assustei-me com aquilo. Espero ser apenas coincidência e não um aviso...


Por fim ele me convidou para ir visitar sua igreja. Falei que não estava interessado e ele não insistiu no assunto. Recomendou-me algumas coisas para eu pesquisar na Bíblia por conta própria. Não sei se eu vou fazê-lo algum dia. Só sei que não o fiz nessa semana como disse a ele que faria. O homem se despediu e para meu espanto, foi embora andando lentamente pelo mesmo caminho pelo qual veio. Esperava que ele continuasse em frente para falar com outras pessoas, mas isso não aconteceu. Tive a estranha sensação de que ele havia surgido para falar especificamente comigo.
Devo ter blasfemado em alguns momentos dessa história. Se estivéssemos na Idade Média eu provavelmente estaria queimando em uma fogueira neste momento. Desculpa aí se ofendi a religião de alguém gente. Para não falar mais bobagens foi concluir o texto de uma vez. A verdade é que acredito que algo acontece a nós após a morte. Algo como a incineração ou a reciclagem de nossas almas, reaproveitadas em corpos novos. Talvez até mesmo possamos adquirir a vida eterna no paraíso. No purgatório saberemos a resposta. Tenho a ligeira impressão de que caso eu esteja errado em relação ao meu ceticismo, lá irão me mostrar uma gravação dessa longa conversa que tive com o homem dos olhos amarelados. E para completar um anjo irá me dizer “Você foi avisado, lhe mandamos um mensageiro”.

PS: Perdão por esse hiato inesperado no fim do ano. Andei um pouco ocupado cumprindo as responsabilidades que a vida adulta exigem de mim. Além disso, andei ocupado vivendo. Não posso me esquecer de fazer isso de vez em quando.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

O Termo Unidimensional

Conheci o termo unidimensional assistindo um filme de comédia. Talvez eu já tenha me deparado com a palavra unidimensional antes, mas creio que nessas oportunidades nunca lhe prestei a atenção adequada. Vendo o filme despretensiosamente, enfim pude captar direito o sentido dessa palavra. Ele se chamava Waiting... e aqui no Brasil, foi lançado com o título A Hora do Rango. Para definir o filme usando poucas palavras, posso dizer que ele é uma comédia B ambientada em um restaurante. Nada de mais, apenas mais um besteirol americano como tantos outros que assisti. Pelo menos cumpriu sua missão. Fez-me rir em alguns momentos.
Em uma das cenas o personagem Bishop, interpretado pelo grande Chi McBride, diz a dois colegas de trabalho do restaurante que eles eram muito unidimensionais. Tais rapazes faziam um tipo bem comum no Estados Unidos: garoto branco com pinta de rapper. Aposto que a imagem do Eminem apareceu na cabeça de vocês. Não estou me referindo a ele e nem desejo criticá-lo (admito: curto muito o seu som), mas para uma melhor compreensão podem usá-lo como referência. Aí já dá para imaginar como eles se comportavam durante o filme: usavam roupas largas, viviam chapados e usavam aquele linguajar típico dos manos do hip-hop. Bishop que era meio que o guru espiritual, o cara sábio do grupo, sintetizou tudo. Eles eram de fato bastante unidimensionais.


Meu interesse aqui é associar o termo unidimensional ao comportamento humano. Logo, usarei esse poderoso adjetivo somente para qualificar pessoas. Dadas as devidas justificativas, vamos a brincadeira.
Comecemos pela terminologia. Unidimensional, uma dimensão. Uma pessoa unidimensional é aquela que vive numa só dimensão, num só mundinho. No exemplo citado, os dois caras estavam o tempo todo com a cabeça voltada ao universo do rap. Minha crítica não está no fato dos caras serem brancos e gostarem de rap. Eles podiam até ser negros, não faria a menor diferença para o assunto que pretendo tratar. Critico apenas o comportamento unidimensional o tempo todo. Só falar daquilo, viver daquilo, respirar aquilo. Nada contra, mas acho que o mundo consegue ser bem maior do que a cultura que um gênero musical específico tem a oferecer. Inúmeras dimensões nos são oferecidas. Dimensões que valem a pena serem exploradas. Para que ficar presa a uma só?


Revelarei um desejo meu: pretendo estudar Psicologia algum dia só pra compreender melhor a alma humana. Apesar de não gostar muito de conviver com as pessoas sou bastante curioso a respeito delas. É por isso que me pareceu interessante discutir sobre comportamentos unidimensionais. Não estou livre disso porque já apresentei esse tipo de comportamento em algumas ocasiões. Mesmo assim, não me considero uma pessoa unidimensional. Não de forma integral. Abomino a unidimensionalidade permanente. Tanto é que já havia reparado que não gostava do comportamento contínuo de algumas pessoas, muito antes de assistir ao filme e prestar atenção nesse adjetivo. O problema é que meu pensamento de repúdio dispersava-se rapidamente por falta de um termo que definisse as situações.
Há tempos eu me incomodava com pessoas que agiam sempre da mesma maneira. Falavam sempre sobre os mesmo assuntos. Conversar com esse tipo de gente me dava uma sensação esquisita de déjà vu. Apesar disso, eu não encontrava uma palavra boa o suficiente para defini-las. Sentia uma certa vergonha dessa minha limitação gramatical. Eu devia ler mais coisas além de quadrinhos e filmes (pornôs) legendados.


Com o termo unidimensional no meu banco de palavras é possível agora, lançar a minha teoria. Ela é aberta, incompleta, inacabada e certamente algum estudioso sabidão já deve ter elaborado um estudo detalhado sobre o assunto. Mas isso não me impede de dizer o que acho, usando apenas as minhas singelas observações de mundo. 
O que não falta é gente unidimensional no mundo. Não sou nenhum gênio por sacar isso. Basta olhar em volta ou lembrar direito de algum conhecido. Duvido que só eu tenha tido um amigo que fala o tempo todo sobre o clube do coração. Ou um que só se interessa por desenhos animados. Que chega até a decorar o tema de abertura dos seus animes prediletos. Os exemplos são variados. Em comum, eles têm o fato de que essas pessoas vestem a camisa dos seus gostos particulares continuamente. Chega uma hora que ela começa a feder, afastando quem está em volta.


Voltarei a usar o exemplo dos rappers do início do texto. O rap se enquadra na categoria música. A música é uma das maiores formadoras de comportamentos unidimensionais no planeta. Estilos musicais distintos moldam comportamentos distintos. Projetam personalidades. Todo mundo conhece um amigo que é aficionado por uma única banda ou gênero musical. Se falarmos perto dele de outra banda ou estilo musical diferente ele já torce o nariz e tenta mudar de assunto, puxando a sardinha para o seu lado, ou melhor, para o seu interesse. Estou aqui no planeta Terra desde os anos 90. Nesse pouco tempo de existência já pude perceber que de vez em quando surge uma modinha musical capaz de proporcionar comportamentos unidimensionais na juventude desmiolada, acrítica e sem personalidade. Já presenciei a época dos pagodeiros, dos micareteiros, dos sertanejos universitários, dos emos de cabelo lambido, dos emos de calça colorida...
Não podia deixar passar a oportunidade de criticar aqui algo que sempre me incomodou muito: comportamento unidimensional nas escolas. Usarei-o como exemplo para falar como um determinado lugar pode invisivelmente direcionar as ações dos seus frequentadores. Algo que sempre me incomodou em instituições de ensino são as infinitas conversas relativas ao ensino. As garotas principalmente vivem iniciando papos chatos sobre tarefas, notas, provas e testes. Os momentos que mais odeio são as ocasiões pós-prova em que as CDFs ficam relembrando todas as questões, como se isso mudasse o resultado final. Tudo bem conversar de vez em quando sobre o ato de estudar, mas fazer isso o tempo todo é um saco mesmo estando num lugar dedicado ao estudo. Me pergunto porque não variar os assuntos pra variar. Serviria para descontrair, aliviar a cabeça. A conversa paralela é boa de vez em quando. Nem sempre ela é um problema. As pessoas deviam parar de se prenderem tanto aos lugares e atividades em comuns na hora de conversar.         

      
Ser unidimensional é se ver limitado por um só interesse, meus caros. Quando o próximo desconhece esse interesse ou simplesmente não se interessa por ele a conversa se torna improdutiva e corre o risco de se encerrar logo. Dependendo da paciência de um ou de outro se encerra até a amizade. Portanto amiguinhos, se algum dia eu lhes chamar de unidimensional, saiba que não estou lhes fazendo um elogio.
Não sei se sou eu que sou rabugento, mas às vezes acho uma chatice esse discurso de afirmação pessoal. É até legal, mas não o tempo todo. Fazer parte de um grupo é bom para a construção da identidade, mas não se deve viver preso integralmente a sua “tribo”, como os professores de Geografia gostam de dizer. Agindo assim corre-se o risco de não ser compreendido ou até mesmo de ser ignorado.
É por isso que pessoas interessantes para mim são aquelas que são imprevisíveis. O privilégio de se conviver com esse tipo de gente é que a qualquer momento elas podem aparecer com algo novo a ser dito ou mostrado, coisas que às vezes não se relacionam diretamente com o lugar que frequentamos, mas que mesmo assim conseguem se mostrar interessantes. Não sei se sou uma pessoa assim, mas tento ser. É por esse motivo que digo tantas frases soltas e incoerentes. Corro o risco de parecer louco, mas acho que a imprevisibilidade sempre vale a pena. Entre o imprevisível e o unidimensional previsível, prefiro a primeira opção.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Falha Na Comunicação

Pelo que me lembro das aulas dos períodos iniciais da faculdade a comunicação é um processo interativo que envolve a transmissão de mensagens. Se para existir comunicação é necessário haver a transmissão de uma mensagem, também é necessário que haja alguém que as envie e alguém que as receba: emissor e receptor, respectivamente. Além desses três elementos essenciais ainda há o meio, por onde a mensagem é passada de uma pessoa para outra. Sei que ainda existem outros elementos que compõem a comunicação, como o código e o ruído, só que irei dispensá-los dessa vez. Considero-os irrelevantes para a discussão que pretendo seguir adiante.


Para mim o grande inimigo da comunicação é o receptor. Ele é o principal obstáculo a ser batido por aquele que deseja comunicar-se. Você deve pensar que estou exagerando falando asneiras, mas acho que vou fazê-lo mudar de opinião. Vamos por os pingos nos is. Para conseguir me explicar terei que usar, mais uma vez, as minhas experiências pessoais para defender meu ponto de vista.
Para quem não sabe, eu sou tímido. Sou o tipo de pessoa que só costuma dizer o essencial. Por causa disso, às vezes tenho a falsa sensação de que só porque normalmente falo pouco, as pessoas irão dar mais atenção aos meus pronunciamentos quando realizados em certas situações específicas. Acabo não recebendo a atenção que esperava receber. O tiro sai pela culatra. É bem difícil gerar empatia num público, quando você para eles é um elemento estranho, pouco familiar.


Exemplos claros disso são as apresentações orais de trabalhos, que desde a minha época de colégio detestei em fazer. Sei muito bem que a desatenção dos meus colegas de classe não se dirigem exclusivamente a minha pessoa. Em todas as apresentações de trabalho oral sempre tem um monte de gente que pouco se importa com a apresentação: ficam lendo, conversando, saem da sala, falam no celular etc. É bastante difícil prender a atenção das pessoas. Somente alguns CDFs, colegas de consideração e professores prestam atenção de verdade nesses casos.
No meu caso eu consigo piorar ainda mais a situação contribuindo para a desatenção coletiva. Acho que a minha voz grossa e monótona transmite claramente a minha má vontade de apresentar o trabalho. Admito, mas não me orgulho: faço de má vontade mesmo. Falo baixo e acelerado num estado de marasmo escancarado, sem me preocupar em esconder que estou morrendo de vontade para que a apresentação se encerre logo, para ira dos meus professores. Acho que até por isso eu nunca fui o aluno predileto de nenhum.  Nem quando sou obrigado por eles participo direito de uma aula. A combinação do meu silêncio sepulcral e das minhas boas notas cria neles uma expectativa que acabo não correspondendo e que nem sinto vontade de corresponder numa apresentação oral. Pelo contrário; sempre quebro a expectativa com uma apresentação ruim e mal ensaiada. Não me leve a mal, eu até chego a me preparar. Só não consigo decorar tudo e na hora me dá um branco. Fica mais difícil ainda quando se trata de um assunto que não me interessa, o que geralmente acontece. Desculpa esfarrapada.


Pior que a indiferença dos colegas durante uma apresentação oral é a dos professores. Na verdade isso só me aconteceu uma vez. Um professor meu do ensino médio ficou lendo um livro durante a minha apresentação inteira. Sequer a comentou ou olhou para mim. Passei o ano inteiro como de costume calado e na única oportunidade que tive para falar algo, o caro profissional do ensino me ignorou completamente. Dizer que isso foi sacanagem é eufemismo.
Saindo do ambiente escolar vamos para as redes sociais. Como eu disse em outra oportunidade a falha na comunicação se dá por questões de prioridade. Você não é um inimigo das pessoas com quem deseja falar e não é respondido, mas também não é prioridade para elas. Existem muitas pessoas com quem desejo falar e não consigo sempre. A conversa sequer se inicia; ela morrer antes de começar nos "ois", "olás" e "alôs" meus que sequer recebem resposta. O pior de tudo é compreender a sua falta de prioridade para elas sem ter lido as suas palavras. O silêncio, tal qual a imagem, pode valer mais do que mil palavras. Saber que uma pessoa está presente para alguns, mas ausente para você é algo compreensivo, porém doloroso de se admitir.


Particularmente, não experienciei casos mais extremos em que a comunicação não se desenvolveu, mas conheço alguns. Um caso típico disso é o fim de um relacionamento. Tenho a ligeira impressão de que neles os homens sofrem mais do que as mulheres; afinal geralmente são as mulheres que terminam a relação. Mas o cara pode desejar continuar com ela. E aí o que ele faz? Inunda a pobre garota de mensagens melosas pedindo para ela voltar pra ele. Um dia visitando a página do Facebook de uma amiga minha, uma morena espetacular diga-se de passagem, pude observar que o mural dela estava repleto de longas mensagens diferentes de uma mesma pessoa. Só de bater o olho suspeitei do que se tratava. Por curiosidade li uma frase para me certificar e não deu outra: era um ex-namorado mala, pedindo para ela reatar com ele. Houve falha na comunicação novamente: em nenhuma das mensagens a minha amiga se deu o trabalho de responder o cara. Mais por medo do que por falta de vontade. Minha amiga é legal, não é de fazer essas coisas, mas em certos casos deve-se usar o bom-senso: se acabou, está acabado. Sem querer me meter, mas já me metendo, falei pra ela bloqueá-lo e ela assim o fez. Até eu fiquei com medo do cara. Não tinham ameaças nas mensagens, porém a insistência dele parecia coisa de gente obsessiva e desesperada, propensa a cometer a qualquer momento um crime passional.




Como ficou claro nos meus exemplos tudo funcionou perfeitamente: um emissor elaborou uma mensagem, a mensagem foi transmitida e o meio foi capaz de transmiti-la. Geralmente o culpado pela falha na comunicação é o meio pelo qual passam as mensagens. Porém na época em que vivemos, os meios que transmitem as mensagens funcionam bem; se um falha possuímos outros, prontos para serem utilizados. Os telefones, os chats, as redes sociais, os e-mails e até mesmo a oralidade reforçam meu argumento.
Sendo assim, acredito que a falha na comunicação está no receptor, que não se interessa pelo que tenho a dizer. Quando o receptor não se interessa pela sua mensagem significa que ele não está interessado em você, tampouco pelo que você tem a dizer. Não só nesses de hoje, mas em diversos casos, de boa ou de má vontade, tentei me comunicar, porém as pessoas a quem as mensagens foram direcionadas me ignoraram. Não dá para saber os motivos, mas a comunicação se demonstrou improdutiva. Não sei o que é pior: se é a negativa definitiva, em que se manifesta claramente o desejo de não manter contato, ou a indiferença silenciosa em que sequer há comunicação explícita. A ausência de comunicação faz brotar suposições que podem estar erradas. Houve falha na comunicação porque não houve reciprocidade. Se minha teoria estiver errada, o único culpado que resta é o emissor, um objeto defeituoso que causa falha na comunicação. Se for verdade não é possível trocá-lo. A solução seria nascer de novo.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

O Fim De Um Ultrarromântico

Há tempos atrás eu tive a ideia de escrever essa crônica. Ficava no “escrevo” ou “não escrevo” e enfim resolvi escrevê-la. A maior parte das crônicas que escrevo são recheadas de piadas autodepreciativas. Não pretendo fazer (muito) isso dessa vez. Mesmo assim, acredito que esta seja uma das minhas crônicas que mais abre espaço para gracejos sobre a minha pessoa. Não me importo. Meu compromisso não é mentir; é contar a verdade, doa a quem doer, da minha vida vacilante. Sou daquele tipo de pessoa que não se preocupa em zelar pela sua reputação, porque sequer tenho uma (que eu saiba). Se estou escrevendo esta crônica, me abrindo e me ridicularizando em praça pública é porque tenho um bom motivo para isso. Decepcionei-me recentemente e por isso pretendo me distrair um pouco escrevendo. Talvez assim eu consiga por a cabeça no lugar novamente. Sei que o mais normal seria procurar uma pessoa para conversar, mas não quero encher o saco de ninguém por mais um fracasso na minha vida pessoal. Garotos não choram. No blog, pelo menos, fica sabendo quem quiser. 


Dessa vez a linha de pensamento que irei expor não se manteve apenas na lengalenga da idealização panfletária. O que quero dizer é que a coloquei em prática recentemente; no final da crônica eu conto o desfecho dessa experiência. Ela é uma proposta de mudança de rumo na vida afetiva, ou melhor dizendo, de mudança de percepção. Esperava que essa experiência prática tivesse um final mais bacana para alegrar vossos corações e principalmente o meu. Não considero a ideia um fracasso total, ela só não funcionou (para mim) dessa vez. Não dá para por a culpa do som ruim sempre no instrumento. Às vezes é mais fácil simplesmente trocar o instrumentista.


Descobri que eu era ultrarromântico quando estudei ultrarromantismo nas aulas de literatura do ensino médio. Não vou dar aula de literatura aqui de graça. Caso você não saiba ou não se lembre o que é o ultrarromantismo pesquise por aí Google afora. Em um primeiro momento eu fazia chacota com o ultrarromantismo e os seus poetas chorões emotivos. Lembro até de uma piada que eu fiz, quando a professora de literatura disse que as mulheres no ultrarromantismo eram seres inatingíveis. Eu disse: “Joga uma pedra nelas então” e consegui arrancar alguns risos dos meus vizinhos de sala de aula. Embora ela tenha sido dita há quatro anos atrás, foi fácil me lembrar dessa piada. Minhas piadas geralmente são tão ruins que quando consigo fazer uma boa digna de risadas, guardo-a na memória para compartilhar com outras pessoas posteriormente. O que começou com um deboche foi ganhando seriedade; aos poucos eu fui me identificando com as poesias ultrarromânticas. Até hoje as únicas poesias que eu tenho alguma sensibilidade para compreender são as ultrarromânticas. Houve até uma época em que eu fiquei fascinado com os poemas do Álvares de Azevedo; ficava deitado lendo as suas poesias, imaginando que a amada enaltecida nos seus poemas era uma garota que eu gostava. Isso ocorria até que de uma forma bem inocente, para grande surpresa de um tarado discreto e inofensivo que nem eu. Não devia ter dito isso! Espero que ninguém tenha entendido...


Um dos temas recorrentes na poesia ultrarromântica é a idealização da pessoa amada. Sabe aquela velha história do amor platônico? Do amor que só existe na cabeça de uma pessoa e que jamais se concretiza no mundo real? É exatamente disso que se trata. Eu me rendia a esse tipo de amor frequentemente. Todo ano eu escolhia uma musa para ficar sonhando, mas nunca dizia nada para as ditas cujas; quando terminava o ano eu as esquecia, como que por encanto, e no ano seguinte elegia uma nova. Esse foi um ciclo vicioso que se repetiu ano a ano, desde a minha quarta série do primário.
O problema é que isso não era amor de verdade. Era apenas encanto. Eu estava encantado com a beleza de pessoas que sequer conhecia de verdade. O amor anda muito banalizado. Acredito que para se amar alguém deve se conhecer primeiro mais a fundo. Bater um papo para sacar qual que é a dela. Não acredito nessa história de amor à primeira vista. Tesão a primeira vista é viável e compreensível. Amor não.
Outro erro que cometi foi aferir a essas garotas uma aura de pureza inexistente.  Só percebi o quanto fazer isso é idiota quando uma vez vi uma garota belíssima, pela qual me senti encantado. Para mim ela era como um anjo. Aí em outro momento eu a observei de longe, fumando cigarro e xingando altos palavrões sem a menor necessidade. A imagem imaculada desmoronou-se: ela era humana assim como eu, com seus defeitos e qualidades. Para ser feliz nesse mundo é necessário ser menos exigente, diminuir os próprios critérios de escolha, contentando-se com o que o mundo tem a oferecer de melhor. Isso porque a pessoa perfeita não existe. Não se deve desperdiçar a vida procurando-a.


É por essas e outras que penso ser uma grande tolice não se achar bom o suficiente para uma pessoa e sofrer em silêncio, por causa de um amor platônico que sequer sabe que você existe. Isso parece até letra de um pagode meloso. Em parte, culpo a mídia por ter tido essa fase de idealização da minha vida romântica. Em filmes e músicas, insistem tanto na ideia de que só existe uma pessoa ideal para cada um, que acabamos acreditando realmente que isso seja verdade. Acreditar nisso traz conseqüências negativas para a vida de uma pessoa. Quando ela conhece alguém especial, ela acredita que enfim encontrou a sua alma gêmea. Assim ela trava diante dela cheia de medo; não age, pensando na pior probabilidade possível, que é o fracasso, muitas vezes irreversível.
É tolice também ficar com medo de ser rejeitado; não falar nada para se poupar de uma exposição ao ridículo. Para quê ficar só idealizando? Só se vive uma vez. Não canso de dizer aqui “Se você tem algo para dizer diga”. Dessa vez eu disse. Solidifiquei esta teoria na minha cabeça e resolvi pô-la em prática no mundo real. É ai que enfim chegamos ao desfecho, ao menos parcial, dessa história.
Não vou transcrever os pormenores. Vou-me poupar. Espetacularizar a própria desgraça tem lá os seus limites. Basta dizer que eu estava interessado em uma garota, com quem tinha breves contatos durante a semana. Resolvi agir, convidando-a para sair. Ela disse que não seria possível porque namorava. Não quero parecer injusto. Ela disse tudo de uma forma bem doce, educada e compreensiva. Acho que isso até me fez sentir pior ainda.
A culpa é toda minha. Devia ter me informado antes de perguntar. Me iludi. É típico de mim se apaixonar por qualquer uma com um rostinho bonito que me dá um pouco de atenção. Gostou da frase? Eu também. Ela é boa, mas não é minha. A ouvi no filme Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças. Filme legal.


Assim me despedi dela e sai da cena rindo da situação, obviamente de nervosismo e não de felicidade. Não carrego espelho comigo para admirar a minha falta de beleza, mas pude sentir que aos poucos minha expressão facial foi mudando de um lapso risonho até a uma expressão séria e fechada. Restou-me mais uma vez voltar para casa de cabeça reta e mãos no bolso, esperando por mais um final de semana insosso, trancado sozinho em casa.
Até que foi um dia interessante do ponto de vista cômico. Ganhei uma nota nove num trabalho, mas em compensação perdi uma garota que nunca tive. Típica história de nerd fracassado. Pelo menos consegui finalmente baixar a discografia dos Ramones na biblioteca da faculdade. Bom prêmio de consolação.



O fim de um ultrarromântico se decreta quando ele parte para a ação, quando ele enfim se declara. É o tocar no que antes era intocável. É dizer sim a vida e não ao mundo abstrato das ideias. O ultrarromântico se acaba quando diz que quer viver e não quer mais sofrer. Renegue-o, mas não o ignore, porque ele continuará existindo com ou sem a sua aceitação. Não dá para desanimar. Se não foi possível dessa vez, que seja na próxima. Sem drama. Não guardo nenhuma mágoa da garota que foi muito doce em me ouvir e estou sem ressentimentos em relação a mim mesmo porque fiz a minha parte. Só não posso enganar-me, tentando esconder que estou me sentindo decepcionado e descontente com o desfecho. Esta foi apenas mais uma história real que o mundo conta. Não há vilões há serem procurados, nem inimigos a serem combatidos ou odiados. Mais uma vez alguém (eu) teve que sobrar. Por hoje já deu. Me dêem licença agora pois vou procurar um ombro amigo para deitar minha cabeça. 

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Apenas Mais Uma Manhã Chuvosa

O texto de hoje é chato, tedioso, sem clímax, conclusão, gracejos, referências pop ou acontecimentos significativos. Para quem resolver lê-lo até o final adianto que as partes mais interessantes estão nos dois primeiros parágrafos, que sequer são sobre o assunto do título. Escrevo esse texto apenas porque ele é real; é a descrição de um dia real, ou ao menos de parte dele. A mais fiel descrição que consegui fazer valendo-me de palavras. Sentirei-me satisfeito se através delas eu conseguir transmitir de forma compreensível a experiência (mesmo ela sendo irrelevante), para quem quer que esteja lendo. Se conseguir, direi pra mim mesmo “missão cumprida”, como bem faço internamente em outras ocasiões. Minha intenção ao escrever é fazer com que as pessoas visualizem o que passo, sinto ou penso, mas não necessariamente de uma forma clara e objetiva. Só aqui no blog eu tenho essa carta branca para fazer enrolação textual. Peco às vezes por cometer uns errinhos de ortografia e concordância, mas nem me importo: a ênfase está na mensagem que quero passar. Não sou um gramático, sou apenas um contador de histórias mediano.


Vamos aos fatos. Na última segunda-feira, um professor pediu para que fizéssemos um texto em forma de crônica sobre o funcionamento da faculdade num dia de chuva (no dia estava chovendo) e eu assim o fiz. Ou melhor dizendo estou fazendo. Ao invés de fazer o exercício na sala e entregar no dia conforme o combinado, estou fazendo a tarefa em casa e em vez de entregá-la, irei publicá-la aqui no meu próprio blog. Só entregarei esta crônica se ela valer ponto na média (editada, claro!). Sou mercenário mesmo. Ou não. Ultimamente ando meio revoltado com os professores. Nada contra nenhum em específico. É a classe como um todo. Na verdade estou revoltado com qualquer um que se autodenomine “juiz” do mundo. Professores se inserem nessa categoria, ao realizarem constantes avaliações superficiais sobre o conhecimento dos seus alunos. Avaliações que podem ser injustas. Estou escrevendo esse texto porque desse modo a minha consciência fica mais tranquila. De certo modo estou fazendo a tarefa pedida, a diferença é que não irei entregá-la. Atualmente em relação ao aprendizado, meu compromisso é comigo mesmo e não com professores, notas idiotas ou exibicionismos verbais    públicos. Mas esse é apenas meu ponto de vista. Não existe certo ou errado. Cada um faz o que bem quer. Só estou comentando sobre isso porque para mim a fase de fazer questão de ganhar em todas as aulas uma estrelinha de bom menino já passou. Estou demorando demais justificando as minhas bobagens... Vamos logo à crônica.


Plena segunda feira, seis horas da manhã, no ponto de ônibus, me surpreendi com a falta de pessoas esperando o coletivo. Geralmente quando chego já estão presentes várias pessoas aguardando o ônibus no ponto. Qual seria o motivo da ausência delas? A minha hipótese é de que seja pela data em questão: dia do comerciário. Uso essa hipótese valendo-me de outra hipótese, a de que as pessoas que habitualmente esperam o ônibus no ponto comigo trabalham no setor do comércio. Não sei, não tenho certeza. Como saberia? Não converso com estranhos.
Dentro do ônibus o ambiente também estava diferente. Normalmente lotado, naquela manhã chuvosa e cinzenta de segunda-feira ele estava menos cheio que o habitual. Assim, arrumei com facilidade um lugar para me sentar. Durante o trajeto fiquei com a cabeça encostada no vidro da janela olhando para minha cidade. Dias de chuva são mágicos. Neles, os vidros dos carros ficam embaçados por dentro; as madames que vivem cheias de pose ficam destrambelhadas e desesperadas, tentando ajeitar os seus cabelos molhados; os guarda-chuvas coloridos das pessoas visualmente formam um baile de frevo silencioso e interessante de ser visto; a chuva faz um barulho gostoso de ser ouvido quando farfalha no concreto; os motoristas passam por cima das poças d’água molhando um monte de pedestres trouxas... Todo esse espetáculo à parte sempre me diverte.


Acabei chegando cedo demais para assistir à aula. Chego cedo á faculdade todo santo dia, mas nessa chuvosa segunda-feira bati o recorde de tempo. Tudo culpa do ônibus. Geralmente ele costuma ser bem mais lento. Considerando que era um dia de chuva ele devia ter sido mais lento ainda. Só que não o foi.
O tempo foi passando e eu comecei a me desesperar. Será que ninguém viria? Só eu tinha resolvido dar as caras? Considerando que o tempo estava ruim, que o dia era um semi-feriado e que o horário de verão estava dando os seus primeiros passos, pensei que o dia estava perfeito para as pessoas faltarem. Para passar o tempo fiquei parado, encostado na mureta vendo as senhoritas da Faculdade de Educação passarem pelo corredor. Pouco tempo depois chegou um colega, e depois outro, e outro, e o professor e assim se iniciou a aula. Que bom: a viagem não havia sido em vão, o cavaleiro não saiu de seu castelo à toa. A aula transcorreu normalmente, até chegar a situação do segundo parágrafo, a tarefa a ser realizada, que agora está nos seus últimos suspiros de vida.
Porque não a fiz no dia? Porque não havia praticamente ninguém lá. Nada que chamasse a minha atenção. Era apenas um lugar molhado. No meu ver não tinha nada a escrever sobre isso e por essa razão não fiz a tarefa designada. Elaborei a minha própria, baseada na pedida com algumas modificações, como vocês estão vendo. Assim saí da sala de aula e resolvi encerrar o dia por ali mesmo. Já dentro do ônibus, vi um alvoroço causado pela tentativa de suicídio de um homem. Fica aqui a menção, mas não a explanação. Não sou sensacionalista.
Essa ação tão extrema lembrou-me que os dias chuvosos são deprimentes. Eles são capazes de tornar mais forte, o sentimento de solidão, presente no coração das pessoas que precisam de companhia, assim como a necessidade de sentir o calor humano. Certas pessoas? Acho que estou falando de mim mesmo, olhando mais uma vez embasbacado para as belas garotas que entravam no ônibus durante o trajeto de retorno. Tolamente, pensei em vão, que elas iriam se sentar do meu lado e me aquecer, nesse frio dia de chuva, com um abraço caloroso. Ri da minha estupidez, cocei a minha barba rala de menino moço e me aquietei, ouvindo o barulho da chuva do lado de fora. Calor para uns só na cama sozinho debaixo de um cobertor mofado.


PS: Leitores vocês sim são meus professores, meus avaliadores, meus juízes. Fazer uma crônica sobre o nada é tenso. Me esforcei muito. Me dêem um desconto. Sejam bonzinhos. Não me reprovem no fim do ano.