terça-feira, 4 de outubro de 2011

Tenha Dó

Acho que o tema de hoje vai desagradar alguns conhecidos meus. Na melhor das hipóteses ele apenas vai deixá-los constrangidos. Sei que algumas pessoas que conheço fazem coisas semelhantes às dos exemplos que irei relatar ao longo do texto. Peço desculpas adiantadas, mas tenho que fazer isto. Sinto que tenho que falar sobre o assunto porque não vejo ninguém falando. Sei que a minha opinião não vale nada e que ela não vai mudar os problemas da nossa sociedade, mas acho que vale a pena expô-la para, pelo menos fazer alguém refletir. Quem sabe eu consigo mudar a postura de algumas pessoas. Não vou nem dizer qual é o tema; lendo os exemplos, ele fica subliminarmente entendido. A única dica que dou é que das quatro histórias que irei contar, todas possuem esse tema em comum.
A história número um ocorreu no meu primeiro dia em uma escola nova. Colégio municipal. Naquele tempo os uniformes da prefeitura ainda eram laranjas. Perdido (como sempre) entro na secretaria para saber qual é o número da minha sala de aula. Vejo na parede o número dela e ainda na secretaria, reparo que atrás do balcão havia um monte de cadernos novos. Foi aí que uma moça da secretária deixou escapar que os cadernos iriam ser distribuídos para os alunos no dia seguinte. Chegando em casa, falo com a minha mãe que ela não precisava comprar cadernos porque dessa vez a escola ia dá-los de graça. Para minha surpresa, ela responde dizendo que mesmo assim iria comprá-los. Achei estranho. Sabendo que minha mãe iria me comprar cadernos, no dia seguinte nem fui na secretaria pegar uns cadernos novos para mim. Fui direto para sala de aula. Olhei em volta e  diferente do dia anterior, observei melhor os meus colegas: crianças com mochilas rasgadas, tênis sujos, roupas rotas, algumas sequer tinham material. Só aí entendi a minha mãe. Recusar uma coisa que estava sendo oferecida gratuitamente, não era a manifestação de um orgulho besta ou querer ser esnobe. Era bom senso. Enfim compreendi que algumas crianças precisavam mais de cadernos novos do que eu. Considero-me um cara pobre, mas em meio à galera da rede municipal de ensino me sentia um fidalgo. E não me orgulhava disso. Esse é o nosso Brasil. Até mesmo nivelando por baixo, as diferenças sociais são gritantes.


A segunda história aconteceu na minha época de pré-adolescente. Eu estava repleto de espinhas na cara. Resisti o quanto que pude procurar um dermatologista, mas acabei cedendo. Sem plano de saúde fui à um posto de saúde público. Mesmo sem estar realmente doente, me sentia mal naquele lugar vendo um monte de gente abatida passando mal, esperando o médico chegar. Preciso nem dizer que demorou muito para eu ser atendido, mas nem foi isso que chamou a minha atenção naquele dia. No posto tinha uma televisão e nela passava aquele velho desenho da Hanna Barbera, Riquinho, a quem eu sacaneava direto, dizendo que ele só tinha amigos porque tinha dinheiro. Odiava aquele desenho. No dia odiei ainda mais quando vi aquele cachorro desgraçado dele usando uma coleira de diamantes. Fiquei indignado. Sei que era um desenho, uma ficção, mas no mundo real ocorrem coisas semelhantes. Vou dar um exemplo genérico que ainda não tive o desprazer de presenciar, mas que é bem plausível. Existem madames que gastam milhares no tratamento estético dos seus cachorros, enquanto pessoas batem na porta dos seus prédios pedindo algo para comer e são ignoradas. Menosprezo a raça humana, mas para mim ela ainda é prioridade. Afinal, pertenço a ela. Todos nós pertencemos.


A terceira história é sobre um papo que rolou entre mim e uma pretendente  (com quem nem cheguei a ficar). Falávamos sobre vestibular. Ela me disse que fazia um pré-vestibular, não me lembro se gratuito ou pago à preço popular. Não importa. Só é necessário compreender que o curso em questão se destinava em primeiro lugar, a atender as camadas mais carentes da população, isto é, pessoas que não tinham condições de arcar com as despesas de um cursinho mais caro. O curso dava a um jovem pobre uma oportunidade real de ingressar no ensino superior.  A garota me contou que alguns colegas delas, jovens na faixa dos 20 anos, chegavam para aula dirigindo o próprio carro. Alguns, inclusive tinham o descaramento de dizer para todo mundo ouvir que os pais ganhavam mais de 8000 reais. Não me esqueço das palavras dessa minha pretendente. ”Que vontade de dizer pra essas garotas ‘Sai daqui, se toca’.” Lembrei-me dos cursos de línguas oferecidos nas faculdades, como o CLAC na UFRJ e o Licom na Uerj. Certamente alguns estudantes que estudam ali, têm condições de arcar com um curso privado aí por fora. Argumentam que o de fora é caro. Eu respondo: para outras o mesmo curso é mais caro ainda. Certas pessoas não entendem que, às vezes, seu benefício tira o de outra pessoa que precisa muito mais. Infelizmente para elas o que vale é a regra do cada um por si.


Por último, a quarta história. Esse ano teve um grande número de shows internacionais aqui no Rio. Quem é o publico alvo deles? A classe média, óbvio. A galera compra os seus ingressos que ultrapassam uma centena de reais. Não sou matemático mais um ingresso para um desses shows, custa mais ou menos um quarto de um salário mínimo. Quem tem condições de ir vai. Parece óbvio mas isso nem sempre acontece. Já vi gente com ingresso na mão dizendo que não ia ou coisa pior: dizendo a plenos pulmões que comprou o ingresso só para queimá-lo. Enquanto isso, pessoas que queriam ir aos shows e não podem por questões financeiras ficam em casa chupando ou dedo. Aí me pergunto: porque não doar o ingresso a uma delas? Se for uma pessoa gananciosa porque não vendê-lo? Me revolto com tamanha estupidez. Podia até mesmo, simplesmente nem comprá-lo. Comprar um ingresso, não aparecer no dia de propósito ou incinerá-lo é a mesma coisa que rasgar dinheiro. Odeio dinheiro, mas ele é útil, principalmente nas mãos de quem precisa. Porque não doá-lo? Mas não. “O dinheiro é meu, faço com ele o que eu quiser”. Tem gente que só se preocupa com seus caprichos, em tentar parecer cool e mostrar que tem atitude, quando na verdade estão apenas agindo que nem babacas. E eu me sentindo mal porque queria uns cadernos de graça...


Nas quatro histórias hoje contadas, ninguém fez nada ilegal ou de forma proposital buscou prejudicar o outro. Porém no meu ponto de vista há algo de errado nelas. Para manifestar esse ponto de vista, só tenho a dizer duas palavras: tenha dó. O resto vocês pensam sozinhos.

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