segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Falha Na Comunicação

Pelo que me lembro das aulas dos períodos iniciais da faculdade a comunicação é um processo interativo que envolve a transmissão de mensagens. Se para existir comunicação é necessário haver a transmissão de uma mensagem, também é necessário que haja alguém que as envie e alguém que as receba: emissor e receptor, respectivamente. Além desses três elementos essenciais ainda há o meio, por onde a mensagem é passada de uma pessoa para outra. Sei que ainda existem outros elementos que compõem a comunicação, como o código e o ruído, só que irei dispensá-los dessa vez. Considero-os irrelevantes para a discussão que pretendo seguir adiante.


Para mim o grande inimigo da comunicação é o receptor. Ele é o principal obstáculo a ser batido por aquele que deseja comunicar-se. Você deve pensar que estou exagerando falando asneiras, mas acho que vou fazê-lo mudar de opinião. Vamos por os pingos nos is. Para conseguir me explicar terei que usar, mais uma vez, as minhas experiências pessoais para defender meu ponto de vista.
Para quem não sabe, eu sou tímido. Sou o tipo de pessoa que só costuma dizer o essencial. Por causa disso, às vezes tenho a falsa sensação de que só porque normalmente falo pouco, as pessoas irão dar mais atenção aos meus pronunciamentos quando realizados em certas situações específicas. Acabo não recebendo a atenção que esperava receber. O tiro sai pela culatra. É bem difícil gerar empatia num público, quando você para eles é um elemento estranho, pouco familiar.


Exemplos claros disso são as apresentações orais de trabalhos, que desde a minha época de colégio detestei em fazer. Sei muito bem que a desatenção dos meus colegas de classe não se dirigem exclusivamente a minha pessoa. Em todas as apresentações de trabalho oral sempre tem um monte de gente que pouco se importa com a apresentação: ficam lendo, conversando, saem da sala, falam no celular etc. É bastante difícil prender a atenção das pessoas. Somente alguns CDFs, colegas de consideração e professores prestam atenção de verdade nesses casos.
No meu caso eu consigo piorar ainda mais a situação contribuindo para a desatenção coletiva. Acho que a minha voz grossa e monótona transmite claramente a minha má vontade de apresentar o trabalho. Admito, mas não me orgulho: faço de má vontade mesmo. Falo baixo e acelerado num estado de marasmo escancarado, sem me preocupar em esconder que estou morrendo de vontade para que a apresentação se encerre logo, para ira dos meus professores. Acho que até por isso eu nunca fui o aluno predileto de nenhum.  Nem quando sou obrigado por eles participo direito de uma aula. A combinação do meu silêncio sepulcral e das minhas boas notas cria neles uma expectativa que acabo não correspondendo e que nem sinto vontade de corresponder numa apresentação oral. Pelo contrário; sempre quebro a expectativa com uma apresentação ruim e mal ensaiada. Não me leve a mal, eu até chego a me preparar. Só não consigo decorar tudo e na hora me dá um branco. Fica mais difícil ainda quando se trata de um assunto que não me interessa, o que geralmente acontece. Desculpa esfarrapada.


Pior que a indiferença dos colegas durante uma apresentação oral é a dos professores. Na verdade isso só me aconteceu uma vez. Um professor meu do ensino médio ficou lendo um livro durante a minha apresentação inteira. Sequer a comentou ou olhou para mim. Passei o ano inteiro como de costume calado e na única oportunidade que tive para falar algo, o caro profissional do ensino me ignorou completamente. Dizer que isso foi sacanagem é eufemismo.
Saindo do ambiente escolar vamos para as redes sociais. Como eu disse em outra oportunidade a falha na comunicação se dá por questões de prioridade. Você não é um inimigo das pessoas com quem deseja falar e não é respondido, mas também não é prioridade para elas. Existem muitas pessoas com quem desejo falar e não consigo sempre. A conversa sequer se inicia; ela morrer antes de começar nos "ois", "olás" e "alôs" meus que sequer recebem resposta. O pior de tudo é compreender a sua falta de prioridade para elas sem ter lido as suas palavras. O silêncio, tal qual a imagem, pode valer mais do que mil palavras. Saber que uma pessoa está presente para alguns, mas ausente para você é algo compreensivo, porém doloroso de se admitir.


Particularmente, não experienciei casos mais extremos em que a comunicação não se desenvolveu, mas conheço alguns. Um caso típico disso é o fim de um relacionamento. Tenho a ligeira impressão de que neles os homens sofrem mais do que as mulheres; afinal geralmente são as mulheres que terminam a relação. Mas o cara pode desejar continuar com ela. E aí o que ele faz? Inunda a pobre garota de mensagens melosas pedindo para ela voltar pra ele. Um dia visitando a página do Facebook de uma amiga minha, uma morena espetacular diga-se de passagem, pude observar que o mural dela estava repleto de longas mensagens diferentes de uma mesma pessoa. Só de bater o olho suspeitei do que se tratava. Por curiosidade li uma frase para me certificar e não deu outra: era um ex-namorado mala, pedindo para ela reatar com ele. Houve falha na comunicação novamente: em nenhuma das mensagens a minha amiga se deu o trabalho de responder o cara. Mais por medo do que por falta de vontade. Minha amiga é legal, não é de fazer essas coisas, mas em certos casos deve-se usar o bom-senso: se acabou, está acabado. Sem querer me meter, mas já me metendo, falei pra ela bloqueá-lo e ela assim o fez. Até eu fiquei com medo do cara. Não tinham ameaças nas mensagens, porém a insistência dele parecia coisa de gente obsessiva e desesperada, propensa a cometer a qualquer momento um crime passional.




Como ficou claro nos meus exemplos tudo funcionou perfeitamente: um emissor elaborou uma mensagem, a mensagem foi transmitida e o meio foi capaz de transmiti-la. Geralmente o culpado pela falha na comunicação é o meio pelo qual passam as mensagens. Porém na época em que vivemos, os meios que transmitem as mensagens funcionam bem; se um falha possuímos outros, prontos para serem utilizados. Os telefones, os chats, as redes sociais, os e-mails e até mesmo a oralidade reforçam meu argumento.
Sendo assim, acredito que a falha na comunicação está no receptor, que não se interessa pelo que tenho a dizer. Quando o receptor não se interessa pela sua mensagem significa que ele não está interessado em você, tampouco pelo que você tem a dizer. Não só nesses de hoje, mas em diversos casos, de boa ou de má vontade, tentei me comunicar, porém as pessoas a quem as mensagens foram direcionadas me ignoraram. Não dá para saber os motivos, mas a comunicação se demonstrou improdutiva. Não sei o que é pior: se é a negativa definitiva, em que se manifesta claramente o desejo de não manter contato, ou a indiferença silenciosa em que sequer há comunicação explícita. A ausência de comunicação faz brotar suposições que podem estar erradas. Houve falha na comunicação porque não houve reciprocidade. Se minha teoria estiver errada, o único culpado que resta é o emissor, um objeto defeituoso que causa falha na comunicação. Se for verdade não é possível trocá-lo. A solução seria nascer de novo.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

O Fim De Um Ultrarromântico

Há tempos atrás eu tive a ideia de escrever essa crônica. Ficava no “escrevo” ou “não escrevo” e enfim resolvi escrevê-la. A maior parte das crônicas que escrevo são recheadas de piadas autodepreciativas. Não pretendo fazer (muito) isso dessa vez. Mesmo assim, acredito que esta seja uma das minhas crônicas que mais abre espaço para gracejos sobre a minha pessoa. Não me importo. Meu compromisso não é mentir; é contar a verdade, doa a quem doer, da minha vida vacilante. Sou daquele tipo de pessoa que não se preocupa em zelar pela sua reputação, porque sequer tenho uma (que eu saiba). Se estou escrevendo esta crônica, me abrindo e me ridicularizando em praça pública é porque tenho um bom motivo para isso. Decepcionei-me recentemente e por isso pretendo me distrair um pouco escrevendo. Talvez assim eu consiga por a cabeça no lugar novamente. Sei que o mais normal seria procurar uma pessoa para conversar, mas não quero encher o saco de ninguém por mais um fracasso na minha vida pessoal. Garotos não choram. No blog, pelo menos, fica sabendo quem quiser. 


Dessa vez a linha de pensamento que irei expor não se manteve apenas na lengalenga da idealização panfletária. O que quero dizer é que a coloquei em prática recentemente; no final da crônica eu conto o desfecho dessa experiência. Ela é uma proposta de mudança de rumo na vida afetiva, ou melhor dizendo, de mudança de percepção. Esperava que essa experiência prática tivesse um final mais bacana para alegrar vossos corações e principalmente o meu. Não considero a ideia um fracasso total, ela só não funcionou (para mim) dessa vez. Não dá para por a culpa do som ruim sempre no instrumento. Às vezes é mais fácil simplesmente trocar o instrumentista.


Descobri que eu era ultrarromântico quando estudei ultrarromantismo nas aulas de literatura do ensino médio. Não vou dar aula de literatura aqui de graça. Caso você não saiba ou não se lembre o que é o ultrarromantismo pesquise por aí Google afora. Em um primeiro momento eu fazia chacota com o ultrarromantismo e os seus poetas chorões emotivos. Lembro até de uma piada que eu fiz, quando a professora de literatura disse que as mulheres no ultrarromantismo eram seres inatingíveis. Eu disse: “Joga uma pedra nelas então” e consegui arrancar alguns risos dos meus vizinhos de sala de aula. Embora ela tenha sido dita há quatro anos atrás, foi fácil me lembrar dessa piada. Minhas piadas geralmente são tão ruins que quando consigo fazer uma boa digna de risadas, guardo-a na memória para compartilhar com outras pessoas posteriormente. O que começou com um deboche foi ganhando seriedade; aos poucos eu fui me identificando com as poesias ultrarromânticas. Até hoje as únicas poesias que eu tenho alguma sensibilidade para compreender são as ultrarromânticas. Houve até uma época em que eu fiquei fascinado com os poemas do Álvares de Azevedo; ficava deitado lendo as suas poesias, imaginando que a amada enaltecida nos seus poemas era uma garota que eu gostava. Isso ocorria até que de uma forma bem inocente, para grande surpresa de um tarado discreto e inofensivo que nem eu. Não devia ter dito isso! Espero que ninguém tenha entendido...


Um dos temas recorrentes na poesia ultrarromântica é a idealização da pessoa amada. Sabe aquela velha história do amor platônico? Do amor que só existe na cabeça de uma pessoa e que jamais se concretiza no mundo real? É exatamente disso que se trata. Eu me rendia a esse tipo de amor frequentemente. Todo ano eu escolhia uma musa para ficar sonhando, mas nunca dizia nada para as ditas cujas; quando terminava o ano eu as esquecia, como que por encanto, e no ano seguinte elegia uma nova. Esse foi um ciclo vicioso que se repetiu ano a ano, desde a minha quarta série do primário.
O problema é que isso não era amor de verdade. Era apenas encanto. Eu estava encantado com a beleza de pessoas que sequer conhecia de verdade. O amor anda muito banalizado. Acredito que para se amar alguém deve se conhecer primeiro mais a fundo. Bater um papo para sacar qual que é a dela. Não acredito nessa história de amor à primeira vista. Tesão a primeira vista é viável e compreensível. Amor não.
Outro erro que cometi foi aferir a essas garotas uma aura de pureza inexistente.  Só percebi o quanto fazer isso é idiota quando uma vez vi uma garota belíssima, pela qual me senti encantado. Para mim ela era como um anjo. Aí em outro momento eu a observei de longe, fumando cigarro e xingando altos palavrões sem a menor necessidade. A imagem imaculada desmoronou-se: ela era humana assim como eu, com seus defeitos e qualidades. Para ser feliz nesse mundo é necessário ser menos exigente, diminuir os próprios critérios de escolha, contentando-se com o que o mundo tem a oferecer de melhor. Isso porque a pessoa perfeita não existe. Não se deve desperdiçar a vida procurando-a.


É por essas e outras que penso ser uma grande tolice não se achar bom o suficiente para uma pessoa e sofrer em silêncio, por causa de um amor platônico que sequer sabe que você existe. Isso parece até letra de um pagode meloso. Em parte, culpo a mídia por ter tido essa fase de idealização da minha vida romântica. Em filmes e músicas, insistem tanto na ideia de que só existe uma pessoa ideal para cada um, que acabamos acreditando realmente que isso seja verdade. Acreditar nisso traz conseqüências negativas para a vida de uma pessoa. Quando ela conhece alguém especial, ela acredita que enfim encontrou a sua alma gêmea. Assim ela trava diante dela cheia de medo; não age, pensando na pior probabilidade possível, que é o fracasso, muitas vezes irreversível.
É tolice também ficar com medo de ser rejeitado; não falar nada para se poupar de uma exposição ao ridículo. Para quê ficar só idealizando? Só se vive uma vez. Não canso de dizer aqui “Se você tem algo para dizer diga”. Dessa vez eu disse. Solidifiquei esta teoria na minha cabeça e resolvi pô-la em prática no mundo real. É ai que enfim chegamos ao desfecho, ao menos parcial, dessa história.
Não vou transcrever os pormenores. Vou-me poupar. Espetacularizar a própria desgraça tem lá os seus limites. Basta dizer que eu estava interessado em uma garota, com quem tinha breves contatos durante a semana. Resolvi agir, convidando-a para sair. Ela disse que não seria possível porque namorava. Não quero parecer injusto. Ela disse tudo de uma forma bem doce, educada e compreensiva. Acho que isso até me fez sentir pior ainda.
A culpa é toda minha. Devia ter me informado antes de perguntar. Me iludi. É típico de mim se apaixonar por qualquer uma com um rostinho bonito que me dá um pouco de atenção. Gostou da frase? Eu também. Ela é boa, mas não é minha. A ouvi no filme Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças. Filme legal.


Assim me despedi dela e sai da cena rindo da situação, obviamente de nervosismo e não de felicidade. Não carrego espelho comigo para admirar a minha falta de beleza, mas pude sentir que aos poucos minha expressão facial foi mudando de um lapso risonho até a uma expressão séria e fechada. Restou-me mais uma vez voltar para casa de cabeça reta e mãos no bolso, esperando por mais um final de semana insosso, trancado sozinho em casa.
Até que foi um dia interessante do ponto de vista cômico. Ganhei uma nota nove num trabalho, mas em compensação perdi uma garota que nunca tive. Típica história de nerd fracassado. Pelo menos consegui finalmente baixar a discografia dos Ramones na biblioteca da faculdade. Bom prêmio de consolação.



O fim de um ultrarromântico se decreta quando ele parte para a ação, quando ele enfim se declara. É o tocar no que antes era intocável. É dizer sim a vida e não ao mundo abstrato das ideias. O ultrarromântico se acaba quando diz que quer viver e não quer mais sofrer. Renegue-o, mas não o ignore, porque ele continuará existindo com ou sem a sua aceitação. Não dá para desanimar. Se não foi possível dessa vez, que seja na próxima. Sem drama. Não guardo nenhuma mágoa da garota que foi muito doce em me ouvir e estou sem ressentimentos em relação a mim mesmo porque fiz a minha parte. Só não posso enganar-me, tentando esconder que estou me sentindo decepcionado e descontente com o desfecho. Esta foi apenas mais uma história real que o mundo conta. Não há vilões há serem procurados, nem inimigos a serem combatidos ou odiados. Mais uma vez alguém (eu) teve que sobrar. Por hoje já deu. Me dêem licença agora pois vou procurar um ombro amigo para deitar minha cabeça. 

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Apenas Mais Uma Manhã Chuvosa

O texto de hoje é chato, tedioso, sem clímax, conclusão, gracejos, referências pop ou acontecimentos significativos. Para quem resolver lê-lo até o final adianto que as partes mais interessantes estão nos dois primeiros parágrafos, que sequer são sobre o assunto do título. Escrevo esse texto apenas porque ele é real; é a descrição de um dia real, ou ao menos de parte dele. A mais fiel descrição que consegui fazer valendo-me de palavras. Sentirei-me satisfeito se através delas eu conseguir transmitir de forma compreensível a experiência (mesmo ela sendo irrelevante), para quem quer que esteja lendo. Se conseguir, direi pra mim mesmo “missão cumprida”, como bem faço internamente em outras ocasiões. Minha intenção ao escrever é fazer com que as pessoas visualizem o que passo, sinto ou penso, mas não necessariamente de uma forma clara e objetiva. Só aqui no blog eu tenho essa carta branca para fazer enrolação textual. Peco às vezes por cometer uns errinhos de ortografia e concordância, mas nem me importo: a ênfase está na mensagem que quero passar. Não sou um gramático, sou apenas um contador de histórias mediano.


Vamos aos fatos. Na última segunda-feira, um professor pediu para que fizéssemos um texto em forma de crônica sobre o funcionamento da faculdade num dia de chuva (no dia estava chovendo) e eu assim o fiz. Ou melhor dizendo estou fazendo. Ao invés de fazer o exercício na sala e entregar no dia conforme o combinado, estou fazendo a tarefa em casa e em vez de entregá-la, irei publicá-la aqui no meu próprio blog. Só entregarei esta crônica se ela valer ponto na média (editada, claro!). Sou mercenário mesmo. Ou não. Ultimamente ando meio revoltado com os professores. Nada contra nenhum em específico. É a classe como um todo. Na verdade estou revoltado com qualquer um que se autodenomine “juiz” do mundo. Professores se inserem nessa categoria, ao realizarem constantes avaliações superficiais sobre o conhecimento dos seus alunos. Avaliações que podem ser injustas. Estou escrevendo esse texto porque desse modo a minha consciência fica mais tranquila. De certo modo estou fazendo a tarefa pedida, a diferença é que não irei entregá-la. Atualmente em relação ao aprendizado, meu compromisso é comigo mesmo e não com professores, notas idiotas ou exibicionismos verbais    públicos. Mas esse é apenas meu ponto de vista. Não existe certo ou errado. Cada um faz o que bem quer. Só estou comentando sobre isso porque para mim a fase de fazer questão de ganhar em todas as aulas uma estrelinha de bom menino já passou. Estou demorando demais justificando as minhas bobagens... Vamos logo à crônica.


Plena segunda feira, seis horas da manhã, no ponto de ônibus, me surpreendi com a falta de pessoas esperando o coletivo. Geralmente quando chego já estão presentes várias pessoas aguardando o ônibus no ponto. Qual seria o motivo da ausência delas? A minha hipótese é de que seja pela data em questão: dia do comerciário. Uso essa hipótese valendo-me de outra hipótese, a de que as pessoas que habitualmente esperam o ônibus no ponto comigo trabalham no setor do comércio. Não sei, não tenho certeza. Como saberia? Não converso com estranhos.
Dentro do ônibus o ambiente também estava diferente. Normalmente lotado, naquela manhã chuvosa e cinzenta de segunda-feira ele estava menos cheio que o habitual. Assim, arrumei com facilidade um lugar para me sentar. Durante o trajeto fiquei com a cabeça encostada no vidro da janela olhando para minha cidade. Dias de chuva são mágicos. Neles, os vidros dos carros ficam embaçados por dentro; as madames que vivem cheias de pose ficam destrambelhadas e desesperadas, tentando ajeitar os seus cabelos molhados; os guarda-chuvas coloridos das pessoas visualmente formam um baile de frevo silencioso e interessante de ser visto; a chuva faz um barulho gostoso de ser ouvido quando farfalha no concreto; os motoristas passam por cima das poças d’água molhando um monte de pedestres trouxas... Todo esse espetáculo à parte sempre me diverte.


Acabei chegando cedo demais para assistir à aula. Chego cedo á faculdade todo santo dia, mas nessa chuvosa segunda-feira bati o recorde de tempo. Tudo culpa do ônibus. Geralmente ele costuma ser bem mais lento. Considerando que era um dia de chuva ele devia ter sido mais lento ainda. Só que não o foi.
O tempo foi passando e eu comecei a me desesperar. Será que ninguém viria? Só eu tinha resolvido dar as caras? Considerando que o tempo estava ruim, que o dia era um semi-feriado e que o horário de verão estava dando os seus primeiros passos, pensei que o dia estava perfeito para as pessoas faltarem. Para passar o tempo fiquei parado, encostado na mureta vendo as senhoritas da Faculdade de Educação passarem pelo corredor. Pouco tempo depois chegou um colega, e depois outro, e outro, e o professor e assim se iniciou a aula. Que bom: a viagem não havia sido em vão, o cavaleiro não saiu de seu castelo à toa. A aula transcorreu normalmente, até chegar a situação do segundo parágrafo, a tarefa a ser realizada, que agora está nos seus últimos suspiros de vida.
Porque não a fiz no dia? Porque não havia praticamente ninguém lá. Nada que chamasse a minha atenção. Era apenas um lugar molhado. No meu ver não tinha nada a escrever sobre isso e por essa razão não fiz a tarefa designada. Elaborei a minha própria, baseada na pedida com algumas modificações, como vocês estão vendo. Assim saí da sala de aula e resolvi encerrar o dia por ali mesmo. Já dentro do ônibus, vi um alvoroço causado pela tentativa de suicídio de um homem. Fica aqui a menção, mas não a explanação. Não sou sensacionalista.
Essa ação tão extrema lembrou-me que os dias chuvosos são deprimentes. Eles são capazes de tornar mais forte, o sentimento de solidão, presente no coração das pessoas que precisam de companhia, assim como a necessidade de sentir o calor humano. Certas pessoas? Acho que estou falando de mim mesmo, olhando mais uma vez embasbacado para as belas garotas que entravam no ônibus durante o trajeto de retorno. Tolamente, pensei em vão, que elas iriam se sentar do meu lado e me aquecer, nesse frio dia de chuva, com um abraço caloroso. Ri da minha estupidez, cocei a minha barba rala de menino moço e me aquietei, ouvindo o barulho da chuva do lado de fora. Calor para uns só na cama sozinho debaixo de um cobertor mofado.


PS: Leitores vocês sim são meus professores, meus avaliadores, meus juízes. Fazer uma crônica sobre o nada é tenso. Me esforcei muito. Me dêem um desconto. Sejam bonzinhos. Não me reprovem no fim do ano. 

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Tenha Dó

Acho que o tema de hoje vai desagradar alguns conhecidos meus. Na melhor das hipóteses ele apenas vai deixá-los constrangidos. Sei que algumas pessoas que conheço fazem coisas semelhantes às dos exemplos que irei relatar ao longo do texto. Peço desculpas adiantadas, mas tenho que fazer isto. Sinto que tenho que falar sobre o assunto porque não vejo ninguém falando. Sei que a minha opinião não vale nada e que ela não vai mudar os problemas da nossa sociedade, mas acho que vale a pena expô-la para, pelo menos fazer alguém refletir. Quem sabe eu consigo mudar a postura de algumas pessoas. Não vou nem dizer qual é o tema; lendo os exemplos, ele fica subliminarmente entendido. A única dica que dou é que das quatro histórias que irei contar, todas possuem esse tema em comum.
A história número um ocorreu no meu primeiro dia em uma escola nova. Colégio municipal. Naquele tempo os uniformes da prefeitura ainda eram laranjas. Perdido (como sempre) entro na secretaria para saber qual é o número da minha sala de aula. Vejo na parede o número dela e ainda na secretaria, reparo que atrás do balcão havia um monte de cadernos novos. Foi aí que uma moça da secretária deixou escapar que os cadernos iriam ser distribuídos para os alunos no dia seguinte. Chegando em casa, falo com a minha mãe que ela não precisava comprar cadernos porque dessa vez a escola ia dá-los de graça. Para minha surpresa, ela responde dizendo que mesmo assim iria comprá-los. Achei estranho. Sabendo que minha mãe iria me comprar cadernos, no dia seguinte nem fui na secretaria pegar uns cadernos novos para mim. Fui direto para sala de aula. Olhei em volta e  diferente do dia anterior, observei melhor os meus colegas: crianças com mochilas rasgadas, tênis sujos, roupas rotas, algumas sequer tinham material. Só aí entendi a minha mãe. Recusar uma coisa que estava sendo oferecida gratuitamente, não era a manifestação de um orgulho besta ou querer ser esnobe. Era bom senso. Enfim compreendi que algumas crianças precisavam mais de cadernos novos do que eu. Considero-me um cara pobre, mas em meio à galera da rede municipal de ensino me sentia um fidalgo. E não me orgulhava disso. Esse é o nosso Brasil. Até mesmo nivelando por baixo, as diferenças sociais são gritantes.


A segunda história aconteceu na minha época de pré-adolescente. Eu estava repleto de espinhas na cara. Resisti o quanto que pude procurar um dermatologista, mas acabei cedendo. Sem plano de saúde fui à um posto de saúde público. Mesmo sem estar realmente doente, me sentia mal naquele lugar vendo um monte de gente abatida passando mal, esperando o médico chegar. Preciso nem dizer que demorou muito para eu ser atendido, mas nem foi isso que chamou a minha atenção naquele dia. No posto tinha uma televisão e nela passava aquele velho desenho da Hanna Barbera, Riquinho, a quem eu sacaneava direto, dizendo que ele só tinha amigos porque tinha dinheiro. Odiava aquele desenho. No dia odiei ainda mais quando vi aquele cachorro desgraçado dele usando uma coleira de diamantes. Fiquei indignado. Sei que era um desenho, uma ficção, mas no mundo real ocorrem coisas semelhantes. Vou dar um exemplo genérico que ainda não tive o desprazer de presenciar, mas que é bem plausível. Existem madames que gastam milhares no tratamento estético dos seus cachorros, enquanto pessoas batem na porta dos seus prédios pedindo algo para comer e são ignoradas. Menosprezo a raça humana, mas para mim ela ainda é prioridade. Afinal, pertenço a ela. Todos nós pertencemos.


A terceira história é sobre um papo que rolou entre mim e uma pretendente  (com quem nem cheguei a ficar). Falávamos sobre vestibular. Ela me disse que fazia um pré-vestibular, não me lembro se gratuito ou pago à preço popular. Não importa. Só é necessário compreender que o curso em questão se destinava em primeiro lugar, a atender as camadas mais carentes da população, isto é, pessoas que não tinham condições de arcar com as despesas de um cursinho mais caro. O curso dava a um jovem pobre uma oportunidade real de ingressar no ensino superior.  A garota me contou que alguns colegas delas, jovens na faixa dos 20 anos, chegavam para aula dirigindo o próprio carro. Alguns, inclusive tinham o descaramento de dizer para todo mundo ouvir que os pais ganhavam mais de 8000 reais. Não me esqueço das palavras dessa minha pretendente. ”Que vontade de dizer pra essas garotas ‘Sai daqui, se toca’.” Lembrei-me dos cursos de línguas oferecidos nas faculdades, como o CLAC na UFRJ e o Licom na Uerj. Certamente alguns estudantes que estudam ali, têm condições de arcar com um curso privado aí por fora. Argumentam que o de fora é caro. Eu respondo: para outras o mesmo curso é mais caro ainda. Certas pessoas não entendem que, às vezes, seu benefício tira o de outra pessoa que precisa muito mais. Infelizmente para elas o que vale é a regra do cada um por si.


Por último, a quarta história. Esse ano teve um grande número de shows internacionais aqui no Rio. Quem é o publico alvo deles? A classe média, óbvio. A galera compra os seus ingressos que ultrapassam uma centena de reais. Não sou matemático mais um ingresso para um desses shows, custa mais ou menos um quarto de um salário mínimo. Quem tem condições de ir vai. Parece óbvio mas isso nem sempre acontece. Já vi gente com ingresso na mão dizendo que não ia ou coisa pior: dizendo a plenos pulmões que comprou o ingresso só para queimá-lo. Enquanto isso, pessoas que queriam ir aos shows e não podem por questões financeiras ficam em casa chupando ou dedo. Aí me pergunto: porque não doar o ingresso a uma delas? Se for uma pessoa gananciosa porque não vendê-lo? Me revolto com tamanha estupidez. Podia até mesmo, simplesmente nem comprá-lo. Comprar um ingresso, não aparecer no dia de propósito ou incinerá-lo é a mesma coisa que rasgar dinheiro. Odeio dinheiro, mas ele é útil, principalmente nas mãos de quem precisa. Porque não doá-lo? Mas não. “O dinheiro é meu, faço com ele o que eu quiser”. Tem gente que só se preocupa com seus caprichos, em tentar parecer cool e mostrar que tem atitude, quando na verdade estão apenas agindo que nem babacas. E eu me sentindo mal porque queria uns cadernos de graça...


Nas quatro histórias hoje contadas, ninguém fez nada ilegal ou de forma proposital buscou prejudicar o outro. Porém no meu ponto de vista há algo de errado nelas. Para manifestar esse ponto de vista, só tenho a dizer duas palavras: tenha dó. O resto vocês pensam sozinhos.