sábado, 21 de dezembro de 2013

Sobrevivente Do Fim Do Mundo

Um dos rumores mais difundidos pela internet no ano passado foi o de que o mundo terminaria no dia 21 de dezembro. De acordo com uma profecia do calendário da civilização maia, o fim do mundo seria nessa data. Muita gente acreditou. Francamente, eu não levei essa previsão muito a sério. Isso porém não me impediu de despirocar, pensando em planos absurdos para fazer antes de morrer junto com toda a raça humana. Minhas ideias iniciais envolviam peripécias que sempre quis fazer pelado, mas que nunca realizei por ter a consciência de que executando-as estaria sujeito à possíveis represálias da lei. Já no fim do mundo, a zoeira não teria limites. Sem um futuro para me preocupar, minhas aloprações poderiam ser executadas sem nó na consciência.


Passada a euforia nudista, resolvi parar para pensar a questão seriamente. Em minha cabeça só se repetia uma frase que parecia ter saído de uma promoção. "O que você faria no fim do mundo?" Como um mantra esse conceito me envolveu por uns tempos, mas logo a resposta estava lá, bastante clara. Eu estava com dificuldades para me declarar para uma pessoa. Sei que é o ato mais simplório, clichê e melodramático que um cara poderia querer fazer no fim do mundo, mas era um desejo sincero. O grande problema que eu tinha era físico mesmo. Não conseguia encontrá-la, estar na frente dela para dizer como me sentia. Queria muito fazer isso. 


Entendam o contexto. Gostava da pessoa há mais de cinco anos e nunca havia dito nada à respeito. Eu já estava cansado do jogo de idiota, em que eu mesmo havia me colocado, de ficar acomodado em um eterno posto de espera por uma oportunidade. Queria fazer algo de imediato. Exorcizar aquele demônio dentro de mim. Era claro o que eu devia fazer: desistir de aguardar por encontros prometidos e adiados. Eu tinha que ir atrás dela de uma vez. Aparecer de surpresa. Sei que não era algo lógico de se fazer. Na verdade é desaconselhável perseguir alguém, onde quer que seja. Mas eu não via outra alternativa. Deem-me um pouco de crédito. Não tinha más intenções. Quis abrir meu coração. A resposta era uma incógnita, mas eu a respeitaria qualquer que fosse. Só queria ter uma, para ficar em paz comigo mesmo.


Iria até à faculdade dela para surpreendê-la, fazendo uma aparição magistral. Como não sabia o seu horário, pretendia ficar de tocaia, esperando ela aparecer na porta de entrada. O mais cômico de toda a situação é que eu compartilhei com a dita cuja todo o plano, sem ela saber que seria o alvo da ação. Ela até me aconselhou dizendo para eu aproveitar o gancho da época natalina para levar um presente, uma caixa de bombom.


Acabei não conseguindo estar presente. Mas o suposto dia do fim do mundo havia chegado. Não quis esperar mais. Desisti de executar meu próprio plano. Tinha a real intenção de colocá-lo em prática, mas a ideia conceitual do fim do mundo me envolveu de tal forma que eu não quis esperar nem mais um dia. Apesar de não ter conseguido encontrá-la pessoalmente, declarei-me para ela. Escrevi uma carta e a enviei virtualmente. Fiz isso sem truques, indiretas ou joguinhos psicólogos, típicos de meus planos surreais e falhos. Só me apresentei e disse que a amava, sem enrolação, sem máscara. A situação me lembrou vagamente o fim do primeiro filme do Homem de Ferro, em que Tony Stark decide não esconder sua identidade heroica. Fiz um texto para ela bem elaborado, sincero, de bom gosto, e feito de coração. Mas infelizmente isso não serviu para muita coisa. 


Não recebi uma resposta dela no mesmo dia. Como bem sabemos, o fim do nosso mundo físico não ocorreu em 21 de dezembro de 2012. Sobrevivi junto com o resto da humanidade e tive que lidar com as consequências do meu ato romântico repentino. Porém a resposta que eu tanto queria ouvir demorou muito para chegar. Ela havia lido minha carta, mas não me deu uma resposta direta e objetiva. Jamais deu. Desconversou. Disse que se sentia confusa. Que ia pensar. Acho que ela tinha pena de me dizer um não, mas eu preferia que ela me dissesse logo a verdade ao invés de alimentar falsas esperanças.


No fim acabei descobrindo o que queria saber. Acabou ocorrendo indiretamente. Em meados de, vejam bem, maio, a convidei por SMS para sair e conversar pessoalmente, como gente civilizada. "Acho melhor não", foi a resposta que ela me deu. Jamais me esquecerei dessas três palavras. Digam o que quiserem, mas um não para mim nunca vai me soar positivo. Se eu queria uma prova, uma evidência mais concisa ali estava. Cinco meses após minha declaração, fui rejeitado. Fui pego de surpresa pela mensagem enquanto estava passeando no shopping. Quando li aquilo, senti como se uma parte de mim estivesse indo embora. Como se uma parte da minha alma estivesse se desintegrando aos poucos. Doeu. Foi o fim do meu mundo. Um velho mundo feito de sonhos e promessas, que fora arruinado pela realidade. 


A partir daquele dia eu mudei. Desde então jamais gostei de alguém daquela maneira. A barba cresceu, o moleque virou homem. Os poucos sorrisos sinceros, que de vez em quando surgiam despreocupados em meu rosto, deram mais espaço ainda a feições sombrias de profunda e amargura. Minha neblina engrossou ainda mais. Alimento uma cultura de indiferença que me consome, mantendo uma vã esperança em dias melhores. O fato é que eu fiz campanha para nada. Até o final foi ambíguo, nem preto, nem branco. De consolação só tenho também três palavras: pelo menos tentei. Melhor do que passar a vida como um covarde. Sou sim um sobrevivente do fim do mundo, mas ficaram as cicatrizes.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

18.12.08

Nem parece que já se passaram cinco anos. Já faz tempo, ainda me lembro de tudo aquilo que passou. Das palavras, que nós dissemos: paz, felicidade e amor... 


Estava me sentindo para baixo. Para mim, o ano de 2008 foi um ponto de interrogação. Uma época de muita incerteza e desesperança. Diferente de muita gente que eu conhecia, eu não estava ansioso pelo seu término. Minhas metas pessoais fracassaram e eu, francamente, cheguei a temer pelo meu futuro. Não sabia o que seria de mim.  


Contudo o tempo, velho inimigo do homem, não parou. Mais rápido do que eu podia imaginar aquele ano havia terminado, embora eu ainda carregasse nas costas uma montanha de problemas. Hoje, sei que o maior culpado foi eu mesmo, por não assumir mais incisivamente o controle da minha própria vida. Um grande exemplo da série de escolhas erradas que fiz naquele ano foi ter trocado de turno. Afastei-me de todos que conhecia por motivo algum. Dei ouvidos a quem não devia ter dado atenção e sofri as consequências disso.


As novas pessoas que conheci eram legais, mas eu desajustado como sempre, não me adaptei. Embora estivesse com eles todos os dias, não me sentia parte daquele grupo. Sentia-me como um turista, um passageiro, um intruso. Essa foi mais uma de tantas outras noias de um menino de 18 anos. Na verdade, eu também não havia me adaptado completamente ao grupo anterior. Apesar da vida cigana que tive naquele recinto por quatro anos, a rodada derradeira foi diferente. A troca de turno impossibilitava o encontro de velhos colegas, os quais poderia, pelo menos, cumprimentar no corredor durante os intervalos.


Mesmo com todos os pesares, decidi participar daquele que hoje julgo como um ritual aristocrático inútil. Na época, com o coração menos envenenado do que hoje, não me importei. Simplesmente fui. Lembro que para aquela ocasião especial resolvi até mesmo cortar o cabelo, o qual havia deixado crescer por cerca de dois anos. Fiz isso, pois achei que a data exigia uma certa dose de respeito da minha parte. Não precisava bancar o personagem do gordo, feio e descabelado em todos os momentos da minha vida. Pelo menos o cabelo dava para arrumar.
Quando cheguei, vi um colega e dei a ele meu característico aceno com a cabeça. Inspirado naquela velha expressão "hora de pendurar as chuteiras" utilizada tipicamente em momentos de aposentadoria, emendei algo na linha de "hora de pendurar o uniforme no cabide". Foi tão espontâneo que só depois assimilei o que eu mesmo havia dito. Só então pude perceber o quão triste e real era aquela realidade, que a cada segundo se aproximava.


Apesar de nunca ter gostado de usar uniforme, percebi que ia sentir falta. Não do vestuário em si, que no meu caso, já estava aos farrapos. No meio do ano havia me recusado a comprar roupas novas, pois sabia que elas não me teriam utilidade no ano seguinte. Assim, fiz descaso do bem estar do presente baseado em uma perspectiva realista sobre o futuro. Sei que por trás de todo uniforme há o desejo de se criar uma identidade. Algo que sempre quis manter distância, mas que no fim das contas não consegui. Vi-me contagiado.


Dane-se as roupas. Elas comparadas a outros percalços eram umas das minhas menores perturbações. Naquele dia, só por um dia, eu quis ser diferente. Fazer as coisas certas pelo menos uma vez, na minha última oportunidade. Queria causar uma boa impressão para os outros, no final das contas. Meu desejo era encerrar um ciclo de vida com dignidade. Nada espetacular, mas feito com classe. Roupas portanto não eram muito importantes. Dei preferência ao meu comportamento perante os outros. 
Eu sabia que, provavelmente, era o último dia em que eu veria muitas das pessoas que estavam presentes. Não serei hipócrita, aproveitando essa doce lembrança, para dizer que era amigo de todos. Não era. Na verdade era amigo de bem poucos, ou talvez, de ninguém. Contudo me incumbi de falar pela última vez com todos aqueles os quais eu havia conhecido nos últimos sete anos. Foi um período importante que serviu para me formar como homem. Apesar das minhas falhas, também tenho minhas virtudes, que lá se desenvolveram. Sou humilde, pelo menos o bastante para perceber que mesmo indiretamente, cada uma daquelas pessoas fez parte da minha história.


Assim o fiz. Falei com as pessoas. Encontrei gente que eu não queria ver e não encontrei gente que eu queria ver. Nada diferente de outros momentos da minha obtusa vida situação. Distribui alguns V's de vitória (estava com essa mania de otaku) até mesmo para desconhecidos, que aparentemente me conheciam. Até hoje me pergunto como algumas pessoas com quem nunca falei sabiam meu nome. 


Pode parecer algo banal para quem lê despreocupadamente, mas para um legítimo introvertido misantropo como eu, foi uma ação de enorme esforço. Um ato de amor, levemente egoísta, mas de amor. Gosto de observar as pessoas, mas não muito de estar no meio delas. Não digo isto para exibir uma fachada besta de quem é isolado e se sente superior. A solidão me ensinou um bocado, mas foi só. Sei que não é legal estar sozinho.


Foi estranho me ver confuso e deslumbrado com meus próprios sentimentos. Aquele que vos fala, em toda sua vida, nunca foi melhor amigo, nem se emocionou nas despedidas. Mas em um momento se viu sentado só, diga-se de passagem, acompanhando distante seus futuros ex-colegas com um discreto sorriso sincero em seu rosto, tão sisudo em tempos anteriores. Gente com quem cresceu e compartilhou diversos momentos, provavelmente os melhores de sua vida. Ao pé de uma pilastra, em um banco circular de pedra, em que se acostumou a ver grupos de amigos reunidos diariamente, sentou-se para sozinho saborear a beleza daquele momento. O desabrochar da juventude. Rapazes e moças cheios de sonhos e esperanças e que em um momento cada vez mais próximo iriam se separar. Cada um ia seguir um rumo diferente. Como em Cavaleiros do Zodíaco, em que cada um dos cavaleiros de Atena foi enviado para treinar em uma parte do mundo, lançado a própria sorte.


No final eu simplesmente sai. Não olhei para trás, não tirei fotos, não me despedi de ninguém. Simplesmente agi como eu sempre fiz, como se houvesse mais uma vez. Mas não haveria. Fiz minha última caminhada na rua São Januário com as mãos nos bolsos da calça e com aquele brasão, devidamente ostentado no lado esquerdo do peito. Não sou muito sentimental, mas senti ele pesar naquele dia. Até hoje sinto.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

O Sentido Da Vida

Qual é o sentido da vida? O homem há muito tempo procura uma resposta para essa pergunta e até hoje não conseguiu respondê-la. O significado da existência humana continua a ser um mistério, uma lacuna em branco a ser preenchida.



O senso comum diz que o sentido da vida é ser feliz. Logo, a busca pela felicidade tornou-se obrigatória na nossa sociedade. Mas e quem não consegue ser feliz? Sua vida não tem sentido? Felicidade é um sentimento, muitas vezes relacionado a conquista de algo que se deseja profundamente. Não pretendo criticar quem procura e quer ser feliz, porém é preciso lembrar que nem sempre conseguimos tudo que queremos. É preciso tentar, entretanto é necessário estar preparado para o pior. Nem sempre o mundo é benevolente com os nossos desejos mais profundos.



Em várias oportunidades em que disse a mim mesmo “Vou ser feliz”, me dei mal. É angustiante desejar algo de coração e não conseguir. Você se sente profundamente decepcionado e as pessoas não te entendem. Falam que é normal, que é assim mesmo. Não se solidarizam e você acaba sentindo pena de mim mesmo. Por essas e outras, percebi que meu propósito na Terra certamente não é tentar ser feliz. A procura pela felicidade só me trouxe infelicidade.



O sentido da vida é um profundo questionamento filosófico. Muitos decidem procurar uma resposta na religião. É a clássica história do sujeito que sente uma sensação de vazio em seu interior, resolve deixar de lado a razão e passa a crer que sua vida faz parte de um plano maior elaborado por uma criatura divina onipotente. Tudo transcorreria de acordo com a vontade de Deus. O sentido de sua vida passa então a girar em virtude de uma devoção a uma entidade invisível e incomunicável. Os religiosos que me perdoem, mas essa busca pelo sentido da vida através da fé, não faz o menor sentido para mim. 
Posso estar enganado, é claro. É inegável, contudo, que a vida após a morte é uma incerteza. Por essa razão, acho arriscado levar uma vida baseada na fé e regida por dogmas religiosos. Sei que as pessoas religiosas creem que serão salvas na eternidade, mas isso é muito incerto. A morte é a única certeza. As pessoas não gostam de pensar muito nisso, mas é a verdade. A morte dança com todos. 



A religião serve de consolo para os que temem a morte, afirmando que há vida após ela. As pessoas obviamente querem ir para o céu, logo se submetem à normas de boa conduta de suas religiões, com o intuito de chegar ao paraíso. A fé, alimentada durante anos, faz a pessoa crer que no fim de sua vida, quando tudo ficar escuro e o sentidos lhe abandonarem, uma criatura celestial aparecerá para levá-la ao outro mundo. Essa seria a vinda não só da luz no fim do túnel, como também de todas as respostas sobre a existência. 



Mas e se tudo continuasse preto e não aparecesse luz nenhuma? Fiz essa reflexão assistindo ao filme O Sétimo Selo. Na história, um cavaleiro medieval questiona a Morte a respeito do sentido da vida, da fé e da existência de Deus. No final, o cavaleiro morre sem obter qualquer resposta.



No fim de nossas vidas passaremos por um aterrorizante escurecer, assustador, mas previsível para aqueles que nunca acreditaram em nada além disso. Céu e inferno são criações do homem. Quem crê nisso corre o risco de sofrer uma agoniante decepção nos seus instantes finais de vida, pois há a chance de não ocorrer nenhuma revelação divina. A certeza que temos é a de que somos mortais. Contudo, o medo da morte não pode nos fazer esquecer de viver. 
Por isso, por mais redundante que possa parecer, acho que a resposta para o sentido da vida deve estar na própria vida. Porém, a vida não pode ser vista como uma unidade. Ela é única sim, mas para cada pessoa. Todos têm vidas únicas e diferentes. Cada vida, portanto, adquiri um sentido diferente, que deve ser descoberto por cada um de nós. Não devemos nos perguntar qual é o sentido da vida, mas sim qual é o sentido de nossas vidas.
As pessoas costumam construir um sentido para as suas vidas baseado na religião, no trabalho, na família. Algumas baseiam suas vidas em torno de nada. Não acho que seja obrigatório escolher um sentido para a própria vida, mas acho muito triste uma pessoa viver sem qualquer tipo de propósito ou objetivo. 



Também vale ressaltar que a resposta para o sentido da vida não é absoluta. Ela é mutável e pode variar ao longo da nossa existência. A complexidade da vida prevê isso, já que ao longo dela somos submetidos às mais variadas situações e emoções. O homem é uma pequena pilha miserável de segredos, não só para os outros, como para si mesmo. Assim, com o tempo, pode vir a se conhecer melhor e mudar de objetivos. 



A aparente complexidade humana nos faz esquecer o quanto somos insignificantes diante do Universo. Até por isso, é uma tolice perguntar qual é o sentido da vida, dada a nossa insignificância. Só o Homer sabe.



Mesmo assim, acho que vocês querem uma resposta mais objetiva para a questão inicial. No filme O Sentido da Vida, o Monty Python deu a seguinte resposta: "Tentem ser bons com as pessoas. Evitem comer gordura. Leiam um bom livro de vez em quando. Caminhem regularmente. Tentem viver em paz e harmonia com pessoas de todos os credos e nações." Excelente resposta.



Já que falei anteriormente que cada um de nós deve procurar um sentido para sua vida, eu não poderia encerrar a discussão sem dar a minha resposta. Quer saber a minha resposta atual para o sentido da vida? Lutar e se apaixonar. "Lutar" não no sentido de combate físico, mas como um confronto de qualquer natureza. "Lutar" para mim é trabalhar duro para conquistar meus objetivos, empenhando-me ao máximo para conseguir o que quero. Em segundo lugar, há a questão de "se apaixonar", não despertando a paixão de ninguém, mas me deixando apaixonar, como uma vítima do amor. O interesse pode ser por alguém, por uma atividade ou pelo mundo ao meu redor. 
Enfim, em resumo, sou um soldado do amor. Esse é o sentido da minha vida. Essa é a minha missão. A razão da minha existência. Quando perder essa capacidade estarei morto, independente do estado do meu corpo.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Religião

Tive criação católica. Fui batizado, catequizado, ia às missas aos domingos. No entanto, conforme crescia e conhecia melhor o mundo e a mim mesmo, comecei a fazer certos questionamentos. Logo, aos poucos, fui perdendo minha religião, até chegar ao ponto em que minha confiança nas instituições religiosas caiu por terra, assim como a minha crença nas divindades em geral. Agora, de cristão, só me resta o nome de batismo. 



Nunca gostei de ir à igreja. Francamente, sempre achei esse hábito um tanto quanto enfadonho. Na maioria das vezes em que ia, minha mente voava e eu ficava pensando em outras mil coisas, menos na missa. Quando era criança sequer compreendia direito o que era dito pelo padre. Comecei a prestar mais atenção no que era falado quando fiquei mais velho. Só então me dei conta de que ir para missa significava ir a um lugar onde se ouvia sobre moralidade e, principalmente, sobre todas as diferentes maneiras de ir para o inferno.



Ok, exagerei dessa vez. Não se falava só sobre isso, contudo era o que mais me impressionava. Eu chegava a arregalar os olhos de medo. Isso me fazia sentir mal, já que eu praticava inúmeros pecados que certamente após a morte, me levariam rumo a um castigo nas dependências do sujeito vermelho com chifres. O fato é que eu não gostava de me sentir acusado, como um pecador, o tempo todo, só por ter cometido os sete pecados capitais e metade dos dez mandamentos.



Por que ir, então? Quando era criança ia por orientação da família. Fazia o papel do bom menino que ia à igreja, pois não queria criar problemas, bancando o revoltado. No entanto, com o passar dos anos, continuei indo, mesmo sem motivo aparente. Tal qual a personagem Bethany do filme Dogma, eu ia mais pelo hábito do que pela fé. Quando me dei conta disso, simplesmente deixei de ir. 



Já que citei o filme do Kevin Smith, acho que é uma boa hora para falar sobre dogma. Dogma é uma crença indiscutível estabelecida por uma religião. Isso é um grande problema, já que cada religião acredita que somente ela é legítima e detentora da verdade absoluta. Por causa de dogmas, o comportamento de alguns religiosos beira a uma teimosia infantil, imune a argumentos. Tal modo de pensar trunca diálogos e promove confrontos entre as religiões. O dogma é a base do fanatismo religioso, que pode levar a conflitos, intolerância, guerras, e claro, mortes. No passado da nossa humanidade, era recorrente que pessoas que desrespeitassem um dogma religioso fossem perseguidas, torturadas, queimadas e enforcadas.
Ainda hoje, pessoas são marginalizadas por questionarem dogmas que norteiam suas religiões. Geralmente, elas são expulsas de seus grupos religiosos por divergirem de algum ponto de vista e daí taxadas como hereges ou blasfemadores. Talvez por isso hoje se proliferem múltiplas religiões mundo afora. Não estou defendendo a supremacia de nenhuma instituição específica, só acho estranho mudar uma religião conforme a conveniência, como se ela fosse personalizável. Que nem essa bobagem de católico não praticante, que só existe no Brasil. Ou você é ou não é. Eu, por exemplo, simplesmente resolvi não ser mais católico. O papa não mais me representa. Isso significa que posso fazer sexo com camisinha, obrigado. 
O dogmatismo religioso me incomoda, pois ele não pode ser questionado. Um dogma é absoluto para aqueles que nele acreditam. Isso dá grande poder aos líderes religiosos e legitimidade às suas ações, até mesmo as mais equivocadas. A história está ai para comprovar isto. A Igreja, por exemplo, apoiou a escravidão e foi omissa em tantas outras oportunidades. Nos tempos modernos, temos escândalos de corrupção e abuso de menores. 
Como deu para perceber as instituições religiosas não me inspiram muita confiança. Daí se origina metade do meu abalo espiritual e religioso. A outra metade da questão, a mais importante, é a relação entre indivíduo e divindade. Acredito que ela possa ocorrer sem a ajuda de intermediários, isto é, sem instituições religiosas. Penso que uma pessoa que crê em uma divindade, pode se comunicar diretamente, estabelecendo com ela um elo pessoal e íntimo.



Para mim, isso não seria possível. Eu não conseguiria ter uma relação de devoção sincera com uma divindade, pois duvidaria da sua existência. Até por esse motivo, não procurei outras religiões. Teria que ser algo real. Simplesmente não consigo crer em algo que não vejo, que não se comunica, que não se manifesta. Só mesmo um milagre ou uma situação apocalíptica como no filme É o Fim, para me fazer acreditar em algo. Sou daqueles que precisa ver para ver. Um homem sem fé, já que a fé é cega.



A questão ia além do desgosto pelos sermões moralistas. Podia inventar a desculpa que fosse, mas sabia que o real motivo de não querer ir à igreja era minha falta de fé. Fé é a firme opinião de que algo é verdade. Uma crença que dispensa qualquer tipo de prova, a qual se deposita absoluta lealdade e confiança. Ou seja, fé não é algo que se vê, é algo que se sente. Eu não sentia nada. Foi duro, mas enfim admiti a mim mesmo que não tinha fé plena e absoluta em coisa alguma.
Levar a discussão para o lado espiritual, também não conta. Essa história de que a fé está dentro de nós, em nossos corações, em nossas almas, não me atinge. O senso de justiça do Batman vive em mim, nem por isso me visto de morcego no Natal. Concordar com os valores de alguma coisa, não me faz acreditar que ela seja real. Por isso insisto que ver algo concreto, solidificado, me ajudaria a ter fé de verdade em algo. Por exemplo, se tivessem me dito que o sol era um deus, provavelmente eu acreditaria e teria uma religião até hoje. Afinal de contas o sol é grande, brilhante, visível e tem real utilidade, nos fornecendo luz e energia.



Perdoem-me pelas comparações infelizes. Não tenho a intenção de caçoar das crenças de ninguém, mas às vezes esqueço que com religião não se brinca. Não faço de propósito, porém de vez em quando uma piada escapa. Certa vez criei um mal estar com uma das pessoas mais abertas, liberais e doces que já conheci por causa disso. Despreocupadamente, perguntei se ela acreditava em alguma religião gótica neopagã louca. E era exatamente o caso... 
Errei, admito. Entretanto acho isso uma grande hipocrisia. As pessoas adoram ouvir piadas sobre a religião alheia, no entanto, surtam quando a piada diz respeito a religião delas. É como naquele ditado popular: pimenta nos olhos dos outros é refresco. Igual ao Isaac Hayes, que abandonou a dublagem do personagem Chef em South Park, pois os criadores do seriado fizeram um episódio que caçoava da religião dele, a cientologia. Antes disso, Hayes não se incomodava quando o programa fazia piadas sobre outras religiões.



Voltemos a questão da fé. Não se pode duvidar e ter fé ao mesmo tempo, logo me restou a dúvida. A ausência de fé pode levar a caminhos diferentes. Algumas pessoas tornam-se céticas e passam a acreditar somente na ciência, por exemplo. O cético usa o pensamento crítico e a ciência para checar a veracidade de diferentes fenômenos e assim, através de fatos e dados concretos, tenta comprovar a inexistência divina. 



Religião e ciência são velhas inimigas que se confrontam a muito tempo. Vários embates entre cientistas e religiosos ocorreram ao longo da história. Ainda hoje ocorrem desentendimentos. Na atualidade, a questão do aborto, o uso das células-troncos, a teoria criacionista, e tantos outros assuntos continuam a provocar discussões ácidas entre as duas partes. 
O ceticismo geralmente leva ao ateísmo. O ateu rejeita a existência de divindades e criaturas sobrenaturais, pois isso não se pode comprovar cientificamente. Neste caso, não há dúvidas e sim uma certeza. Um ateu convicto simplesmente não acredita que exista um ser superior e invisível.
Não me declaro ateu, porque noto uma certa pompa entre eles. Por mais irônico que pareça, o ateísmo é tão arrogante e presunçoso quanto qualquer religião. Costumo me referir ao ateísmo como a religião dos sem religiões. Por mim, tudo bem a pessoa não acreditar em nada, mas ela não precisa se prestar ao papel de taxar de idiotas todos os que seguem uma religião. 



É isso que me incomoda no ateísmo, assim como nas religiões em geral: não basta você ser, é preciso mostrar a todos. Entre ateus e religioso, não sei quem é mais irritante. Ambos acham que estão certos e tentam te convencer disso. Acredito que ninguém seja dono da verdade. Eu não tenho a certeza de nada. Restou-me o agnosticismo. Um agnóstico é aquele que diz que a existência de um deus não pode ser provada e nem negada, uma pessoa sem fé, que não argumenta contra nenhuma crença. Ou seja, me torno impotente toda vez que alguém me pergunta se acredito em algum deus, pois não consigo responder a essa questão com convicção. Simplesmente me recuso a dizer sim ou não. Eu não sei. Não sei mesmo.



A questão é que depois de toda essa análise, eu simplesmente resolvi parar de pensar nisso tudo. Resolvi eu mesmo tomar conta do meu destino e assumir a responsabilidade pelo rumo que a minha vida leva. Mesmo se existir vida após a morte, acredito que o que pode nos salvar não é nossa escolha religiosa, mas sim nossas atitudes, as pequenas escolhas que fazemos no dia-a-dia e que nos definem como pessoas. Dogmas e regras são desnecessários. Como disse o Sirius Black, todos nós temos luz e trevas dentro da gente. No fundo, sabemos se somos, em essência, pessoas boas ou ruins.



Não nego que a religião pode salvar vidas. Ela pode ser confortante para pessoas desesperadas, perdidas, desoladas, deprimidas, gente que sente um profundo vazio existencial dentro delas e que têm a necessidade de se sentirem acolhidas por algo maior. Mas isso se dá através de controle, de devoção, de submissão e de disciplina. Não é algo natural. É um comportamento mecânico, programado, que repreende desejos do corpo e da mente, o qual para mim não tem sentido. O ser humano deveria cair na real e perceber que o verdadeiro poder está nele mesmo. É preciso deixar as crendices de lado, arregaçar as mangas e botar as mãos na massa para fazer as coisas acontecerem. Independentemente de sua fé, um homem deve ser capaz de ser mestre de si mesmo.

domingo, 13 de outubro de 2013

Depressão

Depressão é um tema que tem me acompanhado por boa parte da minha vida. Embora eu não me considere depressivo, muitas vezes fui taxado como tal. Acredito que isso tenha ocorrido por causa da minha personalidade, digamos, peculiar. 
É difícil explicar para quem não me conhece, por isso acho mais fácil usar um personagem para nível de comparação. Sabe o Bisonho dos desenhos do Ursinho Pooh? Aquele depressivo burro cinzento, de voz entediada e monótona, meio pessimista, que nunca fica contente ou entusiasmado com nada? Imagine uma versão humana da criatura. Esse sou eu.


Apesar de reconhecer em mim mesmo todas essas características, não me considero depressivo. Para mim, depressão é algo sério, uma doença perigosa que pode arruinar a vida de uma pessoa, se ela se deixar levar. 
Veja bem, isso aqui não é um livro de autoajuda. Lamento por quem esperava por isso, mas vão vou dizer a ninguém para amar mais, aproveitar a vida, e todas essas outras bobagens tolas e óbvias que esses livros costumam explorar para serem vendidos. Meu objetivo é tentar definir o que é depressão.
Já que disse que não me considero depressivo preciso deixar claro quem o é. Uma pessoa depressiva, na minha opinião, é alguém que vivia uma vida normal, até que um dia, um incidente lhe fez sofrer um grave abalo emocional, deixando-a deprimida. Vários fatores podem desencadear uma depressão. O problema está na força que esses motivos ganham quando não são superados pela pessoa. Isso é muito perigoso, pois um caso de depressão grave pode levar ao suicídio.


É difícil sair da zona da depressão. A pessoa cai nela como em um abismo e, às vezes, jamais torna a ver à superfície. O que caracteriza a depressão é a perda de interesse. Desistir da vida. Tudo torna-se sem graça e sem sentido. O depressivo é abatido por uma dor que ninguém compreende, não se sentindo estimulado a fazer mais nada; torna-se um apático. O que impera é um sentimento de entrega à uma angústia interminável. Na depressão, o pior inimigo é você mesmo. 


Entretanto é preciso não confundir depressão com tristeza. A tristeza tem motivos, a depressão não. É normal se sentir triste de vez em quando. A vida nem sempre segue o curso que desejamos. Coisas ruins acontecem o tempo todo. Desilusões, tragédias, descontentamentos, tudo isso leva à tristeza. Nem todos se recuperam. É importante não se deixar levar pela tristeza, pois quando prolongada, pode vir a se tornar uma depressão.


A vida em sociedade também estimula a depressão. O convívio com outras pessoas influencia nosso humor, nossa personalidade e nossos desejos. Nos importamos com o que pensam a respeito da gente. Fazemos comparações para saber quem é o melhor. Nesse contexto, ser feliz, ou aparentar ser, é fundamental.


Vivemos em um mundo muito louco. A vida é muita coisa, menos simples. Ela está cada vez mais complexa. Recebemos múltiplos estímulos e opções o tempo todo. Somos pressionados a tomar decisões as quais não estamos preparados. Tem gente que não consegue o que quer e acha que é um fracassado. Daí surta, se deprime. Infelizmente, na nossa sociedade, tem gente que acha que perder é ser menor na vida. Tudo isso porque a felicidade se tornou um jogo, o qual todo mundo deseja vencer.


Todo mundo fala que só quer ser feliz. Para essas pessoas proponho que olhem ao seu redor. Todo mundo quer isso. Que ser humano quer ser infeliz? É óbvio que nem todos alcançarão a felicidade. Essa busca pode levar a vida toda e sequer há certeza de que ela será conquistada. Por mais irônico que seja, o anseio pela felicidade pode levar a depressão. 
É preciso ser realista e encarar que certos desejos pessoais podem não vir a se realizar. Existem coisas maiores do que a gente, independentes de nossas vontades. É melhor cortar as asinhas logo e manter os pés no chão. Há competição e nem todo mundo vai vencer. Vá, tente, mas esteja preparado para o pior. Tudo bem ficar triste se não conseguir. Mas é bom ter a noção de que, talvez, você nunca se torne o herói da classe trabalhadora que pensou que seria um dia. 


Por essas razões me pareço com o Bisonho. Espero sempre o pior, logo nunca fico decepcionado. Como estratégia de defesa, não me entusiasmo por pouca coisa. O que alguns chamam de tristeza ou depressão, eu chamo de estado de normalidade.


Não sou feliz, mas até que vivo bem comigo mesmo. Rio quando acho graça de algo, esboço o mínimo de reação quando me sinto irritado. Faço as minhas coisas. Isso confunde as pessoas. Algumas pensam que eu não quero nada da vida, que sou um niilista. Contudo, vivo atento ao que acontece ao meu redor. Sou apenas um falso desinteressado. Acho que deve ser meio incômodo conviver com alguém que quase nunca se mostra animado. Lamento por isso, mas é como naquela frase do meme do Sad Keanu: Você precisa ser feliz para viver, eu não. 


É muito bonito dizer que estou satisfeito do jeito que sou, mas tomar para si uma personalidade dessas traz consequências. Por mais que você explique, os outros vão continuar pensando que você é depressivo. Isso, é claro, afasta algumas pessoas. Ninguém quer ficar perto de alguém triste. Alguns até tentam te animar, mas quando descobrem que sua a personalidade é igual à da Funérea, caem fora.


Recentemente, retomei contato com uma amiga com quem a tempos não falava. Perguntei na cara dura porque ela havia se afastado de mim e me surpreendi com a sinceridade da resposta dela: “Você estava sempre para baixo. Eu tentava te animar e você nada. Decidi então me afastar de você”. Nem depois de ter ouvido essa me considerei depressivo. É mais fácil mudar de atitude do que ir em farmácia atrás de Prozac. Ela até que tinha razão, pois na época em questão eu estava insuportável. Fiz dela uma pobre vítima, a qual contava de maneira pessimista as tragédias da minha vida, como se ela fosse uma novela mexicana narrada pelo Hardy Har Har. Bota drama nisso. 


Curiosamente, a depressão também é utilizada como forma de socialização. Isso mesmo: reunir pessoas. Quer exemplos? Algumas religiões tentam cooptar depressivos, dizendo que a fé pode preencher o vazio de suas almas (e o bolso de algumas pessoas também). O depressivo torna-se então um membro da religião, pensando que a fé irá curar a sua doença. Certas tribos urbanas também são estereotipadas como reduto de depressivos. Existem pessoas que abraçam totalmente um modo de vida melancólico e pessimista, que gostam de ser vistos dessa forma. Os góticos são um bom exemplo disso. 
Em um dos episódios de South Park, o Stan (o menino de boina azul) se separa da namorada e fica todo doído por causa disso. Kyle (o judeuzinho eternamente trollado pelo Cartman), seu melhor amigo, cansado e irritado de ver Stan deprimido, lhe desafia a andar com os góticos da escola. Stan topa. O garoto começa a andar com a galerinha que se veste de preto, gente obcecada com a não-conformidade. 


Achei engraçado, pois me aconteceu algo semelhante. Em uma época de seguidos infortúnios em minha vida, busquei refúgio na música pós-punk. Comecei a ouvir The Cure, Joy Division, e outras bandas cultuadas pelos góticos. Continuo gostando dessas bandas, mas minha vida musical, hoje, não é só constituída por playlists de música deprê. A vida não é só isso.


Enfim, apesar de nunca ter sido a pessoa mais eufórica que alguém já possa ter conhecido, acredito que viver em depressão não seja o caminho. Todo mundo tem problemas. Problemas diferentes, os quais alguns eu francamente não faria a menor ideia de como reagiria, caso acontecessem comigo. Não devia ser surpresa para ninguém que o mundo, às vezes, pode ser muito injusto. Sequer vale a pena ficar comparando quem sofre mais. Nossos problemas são importantes para nós mesmos, não importa o quanto pareçam insignificantes para os outros. De qualquer modo, temos que lidar com eles. Não dá para sentir pena de si mesmo. Não dá para desistir de si mesmo.

PS: Criar uma página no Facebook chamada “Crônicas Faraônicas da Depressão” seria pleonasmo.