sábado, 21 de dezembro de 2013

Sobrevivente Do Fim Do Mundo

Um dos rumores mais difundidos pela internet no ano passado foi o de que o mundo terminaria no dia 21 de dezembro. De acordo com uma profecia do calendário da civilização maia, o fim do mundo seria nessa data. Muita gente acreditou. Francamente, eu não levei essa previsão muito a sério. Isso porém não me impediu de despirocar, pensando em planos absurdos para fazer antes de morrer junto com toda a raça humana. Minhas ideias iniciais envolviam peripécias que sempre quis fazer pelado, mas que nunca realizei por ter a consciência de que executando-as estaria sujeito à possíveis represálias da lei. Já no fim do mundo, a zoeira não teria limites. Sem um futuro para me preocupar, minhas aloprações poderiam ser executadas sem nó na consciência.


Passada a euforia nudista, resolvi parar para pensar a questão seriamente. Em minha cabeça só se repetia uma frase que parecia ter saído de uma promoção. "O que você faria no fim do mundo?" Como um mantra esse conceito me envolveu por uns tempos, mas logo a resposta estava lá, bastante clara. Eu estava com dificuldades para me declarar para uma pessoa. Sei que é o ato mais simplório, clichê e melodramático que um cara poderia querer fazer no fim do mundo, mas era um desejo sincero. O grande problema que eu tinha era físico mesmo. Não conseguia encontrá-la, estar na frente dela para dizer como me sentia. Queria muito fazer isso. 


Entendam o contexto. Gostava da pessoa há mais de cinco anos e nunca havia dito nada à respeito. Eu já estava cansado do jogo de idiota, em que eu mesmo havia me colocado, de ficar acomodado em um eterno posto de espera por uma oportunidade. Queria fazer algo de imediato. Exorcizar aquele demônio dentro de mim. Era claro o que eu devia fazer: desistir de aguardar por encontros prometidos e adiados. Eu tinha que ir atrás dela de uma vez. Aparecer de surpresa. Sei que não era algo lógico de se fazer. Na verdade é desaconselhável perseguir alguém, onde quer que seja. Mas eu não via outra alternativa. Deem-me um pouco de crédito. Não tinha más intenções. Quis abrir meu coração. A resposta era uma incógnita, mas eu a respeitaria qualquer que fosse. Só queria ter uma, para ficar em paz comigo mesmo.


Iria até à faculdade dela para surpreendê-la, fazendo uma aparição magistral. Como não sabia o seu horário, pretendia ficar de tocaia, esperando ela aparecer na porta de entrada. O mais cômico de toda a situação é que eu compartilhei com a dita cuja todo o plano, sem ela saber que seria o alvo da ação. Ela até me aconselhou dizendo para eu aproveitar o gancho da época natalina para levar um presente, uma caixa de bombom.


Acabei não conseguindo estar presente. Mas o suposto dia do fim do mundo havia chegado. Não quis esperar mais. Desisti de executar meu próprio plano. Tinha a real intenção de colocá-lo em prática, mas a ideia conceitual do fim do mundo me envolveu de tal forma que eu não quis esperar nem mais um dia. Apesar de não ter conseguido encontrá-la pessoalmente, declarei-me para ela. Escrevi uma carta e a enviei virtualmente. Fiz isso sem truques, indiretas ou joguinhos psicólogos, típicos de meus planos surreais e falhos. Só me apresentei e disse que a amava, sem enrolação, sem máscara. A situação me lembrou vagamente o fim do primeiro filme do Homem de Ferro, em que Tony Stark decide não esconder sua identidade heroica. Fiz um texto para ela bem elaborado, sincero, de bom gosto, e feito de coração. Mas infelizmente isso não serviu para muita coisa. 


Não recebi uma resposta dela no mesmo dia. Como bem sabemos, o fim do nosso mundo físico não ocorreu em 21 de dezembro de 2012. Sobrevivi junto com o resto da humanidade e tive que lidar com as consequências do meu ato romântico repentino. Porém a resposta que eu tanto queria ouvir demorou muito para chegar. Ela havia lido minha carta, mas não me deu uma resposta direta e objetiva. Jamais deu. Desconversou. Disse que se sentia confusa. Que ia pensar. Acho que ela tinha pena de me dizer um não, mas eu preferia que ela me dissesse logo a verdade ao invés de alimentar falsas esperanças.


No fim acabei descobrindo o que queria saber. Acabou ocorrendo indiretamente. Em meados de, vejam bem, maio, a convidei por SMS para sair e conversar pessoalmente, como gente civilizada. "Acho melhor não", foi a resposta que ela me deu. Jamais me esquecerei dessas três palavras. Digam o que quiserem, mas um não para mim nunca vai me soar positivo. Se eu queria uma prova, uma evidência mais concisa ali estava. Cinco meses após minha declaração, fui rejeitado. Fui pego de surpresa pela mensagem enquanto estava passeando no shopping. Quando li aquilo, senti como se uma parte de mim estivesse indo embora. Como se uma parte da minha alma estivesse se desintegrando aos poucos. Doeu. Foi o fim do meu mundo. Um velho mundo feito de sonhos e promessas, que fora arruinado pela realidade. 


A partir daquele dia eu mudei. Desde então jamais gostei de alguém daquela maneira. A barba cresceu, o moleque virou homem. Os poucos sorrisos sinceros, que de vez em quando surgiam despreocupados em meu rosto, deram mais espaço ainda a feições sombrias de profunda e amargura. Minha neblina engrossou ainda mais. Alimento uma cultura de indiferença que me consome, mantendo uma vã esperança em dias melhores. O fato é que eu fiz campanha para nada. Até o final foi ambíguo, nem preto, nem branco. De consolação só tenho também três palavras: pelo menos tentei. Melhor do que passar a vida como um covarde. Sou sim um sobrevivente do fim do mundo, mas ficaram as cicatrizes.

4 comentários:

  1. Anônimo22/2/14

    Acontece... não tem jeito de impedir, nem de mudar o que uma pessoa sente. Mas depois um tempo, pode ser um booom tempo, passa a neblina pesada e ficam nuvens...essas nuvens contém lembranças, coisas que se aprende, coisas que mudarm ou ainda mudarão. Mas no fundo, realmente, é melhor experimentar a neblina sombria do que nunca saber nem o que é sentir um vento no rosto. Perdoe-me as metáforas mal construídas.

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  2. cade tu no facebook porra?!
    ass: ulisses in rio! ;)

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  3. Desativei. Me chama por e-mail: christian_pharaoh@hotmail.com. Abs!

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