segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Religião

Tive criação católica. Fui batizado, catequizado, ia às missas aos domingos. No entanto, conforme crescia e conhecia melhor o mundo e a mim mesmo, comecei a fazer certos questionamentos. Logo, aos poucos, fui perdendo minha religião, até chegar ao ponto em que minha confiança nas instituições religiosas caiu por terra, assim como a minha crença nas divindades em geral. Agora, de cristão, só me resta o nome de batismo. 



Nunca gostei de ir à igreja. Francamente, sempre achei esse hábito um tanto quanto enfadonho. Na maioria das vezes em que ia, minha mente voava e eu ficava pensando em outras mil coisas, menos na missa. Quando era criança sequer compreendia direito o que era dito pelo padre. Comecei a prestar mais atenção no que era falado quando fiquei mais velho. Só então me dei conta de que ir para missa significava ir a um lugar onde se ouvia sobre moralidade e, principalmente, sobre todas as diferentes maneiras de ir para o inferno.



Ok, exagerei dessa vez. Não se falava só sobre isso, contudo era o que mais me impressionava. Eu chegava a arregalar os olhos de medo. Isso me fazia sentir mal, já que eu praticava inúmeros pecados que certamente após a morte, me levariam rumo a um castigo nas dependências do sujeito vermelho com chifres. O fato é que eu não gostava de me sentir acusado, como um pecador, o tempo todo, só por ter cometido os sete pecados capitais e metade dos dez mandamentos.



Por que ir, então? Quando era criança ia por orientação da família. Fazia o papel do bom menino que ia à igreja, pois não queria criar problemas, bancando o revoltado. No entanto, com o passar dos anos, continuei indo, mesmo sem motivo aparente. Tal qual a personagem Bethany do filme Dogma, eu ia mais pelo hábito do que pela fé. Quando me dei conta disso, simplesmente deixei de ir. 



Já que citei o filme do Kevin Smith, acho que é uma boa hora para falar sobre dogma. Dogma é uma crença indiscutível estabelecida por uma religião. Isso é um grande problema, já que cada religião acredita que somente ela é legítima e detentora da verdade absoluta. Por causa de dogmas, o comportamento de alguns religiosos beira a uma teimosia infantil, imune a argumentos. Tal modo de pensar trunca diálogos e promove confrontos entre as religiões. O dogma é a base do fanatismo religioso, que pode levar a conflitos, intolerância, guerras, e claro, mortes. No passado da nossa humanidade, era recorrente que pessoas que desrespeitassem um dogma religioso fossem perseguidas, torturadas, queimadas e enforcadas.
Ainda hoje, pessoas são marginalizadas por questionarem dogmas que norteiam suas religiões. Geralmente, elas são expulsas de seus grupos religiosos por divergirem de algum ponto de vista e daí taxadas como hereges ou blasfemadores. Talvez por isso hoje se proliferem múltiplas religiões mundo afora. Não estou defendendo a supremacia de nenhuma instituição específica, só acho estranho mudar uma religião conforme a conveniência, como se ela fosse personalizável. Que nem essa bobagem de católico não praticante, que só existe no Brasil. Ou você é ou não é. Eu, por exemplo, simplesmente resolvi não ser mais católico. O papa não mais me representa. Isso significa que posso fazer sexo com camisinha, obrigado. 
O dogmatismo religioso me incomoda, pois ele não pode ser questionado. Um dogma é absoluto para aqueles que nele acreditam. Isso dá grande poder aos líderes religiosos e legitimidade às suas ações, até mesmo as mais equivocadas. A história está ai para comprovar isto. A Igreja, por exemplo, apoiou a escravidão e foi omissa em tantas outras oportunidades. Nos tempos modernos, temos escândalos de corrupção e abuso de menores. 
Como deu para perceber as instituições religiosas não me inspiram muita confiança. Daí se origina metade do meu abalo espiritual e religioso. A outra metade da questão, a mais importante, é a relação entre indivíduo e divindade. Acredito que ela possa ocorrer sem a ajuda de intermediários, isto é, sem instituições religiosas. Penso que uma pessoa que crê em uma divindade, pode se comunicar diretamente, estabelecendo com ela um elo pessoal e íntimo.



Para mim, isso não seria possível. Eu não conseguiria ter uma relação de devoção sincera com uma divindade, pois duvidaria da sua existência. Até por esse motivo, não procurei outras religiões. Teria que ser algo real. Simplesmente não consigo crer em algo que não vejo, que não se comunica, que não se manifesta. Só mesmo um milagre ou uma situação apocalíptica como no filme É o Fim, para me fazer acreditar em algo. Sou daqueles que precisa ver para ver. Um homem sem fé, já que a fé é cega.



A questão ia além do desgosto pelos sermões moralistas. Podia inventar a desculpa que fosse, mas sabia que o real motivo de não querer ir à igreja era minha falta de fé. Fé é a firme opinião de que algo é verdade. Uma crença que dispensa qualquer tipo de prova, a qual se deposita absoluta lealdade e confiança. Ou seja, fé não é algo que se vê, é algo que se sente. Eu não sentia nada. Foi duro, mas enfim admiti a mim mesmo que não tinha fé plena e absoluta em coisa alguma.
Levar a discussão para o lado espiritual, também não conta. Essa história de que a fé está dentro de nós, em nossos corações, em nossas almas, não me atinge. O senso de justiça do Batman vive em mim, nem por isso me visto de morcego no Natal. Concordar com os valores de alguma coisa, não me faz acreditar que ela seja real. Por isso insisto que ver algo concreto, solidificado, me ajudaria a ter fé de verdade em algo. Por exemplo, se tivessem me dito que o sol era um deus, provavelmente eu acreditaria e teria uma religião até hoje. Afinal de contas o sol é grande, brilhante, visível e tem real utilidade, nos fornecendo luz e energia.



Perdoem-me pelas comparações infelizes. Não tenho a intenção de caçoar das crenças de ninguém, mas às vezes esqueço que com religião não se brinca. Não faço de propósito, porém de vez em quando uma piada escapa. Certa vez criei um mal estar com uma das pessoas mais abertas, liberais e doces que já conheci por causa disso. Despreocupadamente, perguntei se ela acreditava em alguma religião gótica neopagã louca. E era exatamente o caso... 
Errei, admito. Entretanto acho isso uma grande hipocrisia. As pessoas adoram ouvir piadas sobre a religião alheia, no entanto, surtam quando a piada diz respeito a religião delas. É como naquele ditado popular: pimenta nos olhos dos outros é refresco. Igual ao Isaac Hayes, que abandonou a dublagem do personagem Chef em South Park, pois os criadores do seriado fizeram um episódio que caçoava da religião dele, a cientologia. Antes disso, Hayes não se incomodava quando o programa fazia piadas sobre outras religiões.



Voltemos a questão da fé. Não se pode duvidar e ter fé ao mesmo tempo, logo me restou a dúvida. A ausência de fé pode levar a caminhos diferentes. Algumas pessoas tornam-se céticas e passam a acreditar somente na ciência, por exemplo. O cético usa o pensamento crítico e a ciência para checar a veracidade de diferentes fenômenos e assim, através de fatos e dados concretos, tenta comprovar a inexistência divina. 



Religião e ciência são velhas inimigas que se confrontam a muito tempo. Vários embates entre cientistas e religiosos ocorreram ao longo da história. Ainda hoje ocorrem desentendimentos. Na atualidade, a questão do aborto, o uso das células-troncos, a teoria criacionista, e tantos outros assuntos continuam a provocar discussões ácidas entre as duas partes. 
O ceticismo geralmente leva ao ateísmo. O ateu rejeita a existência de divindades e criaturas sobrenaturais, pois isso não se pode comprovar cientificamente. Neste caso, não há dúvidas e sim uma certeza. Um ateu convicto simplesmente não acredita que exista um ser superior e invisível.
Não me declaro ateu, porque noto uma certa pompa entre eles. Por mais irônico que pareça, o ateísmo é tão arrogante e presunçoso quanto qualquer religião. Costumo me referir ao ateísmo como a religião dos sem religiões. Por mim, tudo bem a pessoa não acreditar em nada, mas ela não precisa se prestar ao papel de taxar de idiotas todos os que seguem uma religião. 



É isso que me incomoda no ateísmo, assim como nas religiões em geral: não basta você ser, é preciso mostrar a todos. Entre ateus e religioso, não sei quem é mais irritante. Ambos acham que estão certos e tentam te convencer disso. Acredito que ninguém seja dono da verdade. Eu não tenho a certeza de nada. Restou-me o agnosticismo. Um agnóstico é aquele que diz que a existência de um deus não pode ser provada e nem negada, uma pessoa sem fé, que não argumenta contra nenhuma crença. Ou seja, me torno impotente toda vez que alguém me pergunta se acredito em algum deus, pois não consigo responder a essa questão com convicção. Simplesmente me recuso a dizer sim ou não. Eu não sei. Não sei mesmo.



A questão é que depois de toda essa análise, eu simplesmente resolvi parar de pensar nisso tudo. Resolvi eu mesmo tomar conta do meu destino e assumir a responsabilidade pelo rumo que a minha vida leva. Mesmo se existir vida após a morte, acredito que o que pode nos salvar não é nossa escolha religiosa, mas sim nossas atitudes, as pequenas escolhas que fazemos no dia-a-dia e que nos definem como pessoas. Dogmas e regras são desnecessários. Como disse o Sirius Black, todos nós temos luz e trevas dentro da gente. No fundo, sabemos se somos, em essência, pessoas boas ou ruins.



Não nego que a religião pode salvar vidas. Ela pode ser confortante para pessoas desesperadas, perdidas, desoladas, deprimidas, gente que sente um profundo vazio existencial dentro delas e que têm a necessidade de se sentirem acolhidas por algo maior. Mas isso se dá através de controle, de devoção, de submissão e de disciplina. Não é algo natural. É um comportamento mecânico, programado, que repreende desejos do corpo e da mente, o qual para mim não tem sentido. O ser humano deveria cair na real e perceber que o verdadeiro poder está nele mesmo. É preciso deixar as crendices de lado, arregaçar as mangas e botar as mãos na massa para fazer as coisas acontecerem. Independentemente de sua fé, um homem deve ser capaz de ser mestre de si mesmo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário