segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Quando A Esmola É Demais O Santo Desconfia

Terei que adiar mais uma vez a história que iniciei na semana passada. Incrível. Os assuntos estão surgindo contra a minha vontade. Desta vez a história tem um quê de denúncia, com ares de especulação, suspeita e desconfiança. Com a premissa já feita, relatarei o ocorrido. Leia e tire suas próprias conclusões.
Durante a semana que se passou meu avô apareceu aqui em casa com um folheto informativo, daqueles repletos de cursos profissionalizantes de áreas diferentes. O folheto não era propaganda de um curso pago em mensalidades, pelo menos não aparentava ser. Ele tinha ares de projeto beneficente, solidário etc. Nele continha todo esse repertório de palavras bonitas que o pessoal da ONU adora utilizar em seus discursos.


De todos os cursos oferecidos, o de inglês me chamou a atenção. O conhecimento de uma língua estrangeira é quase indispensável se você quiser ingressar no mercado de trabalho em profissões tipicamente burguesas, ou seja, não braçais. Embora eu tente fugir disso, o jornalismo se enquadra nessa categoria. Afinal de contas um repórter não tem que carregar piano. Grande parte das profissões aprendidas em faculdade para serem exercidas exigem mais do que o diploma que é conquistado ao término do curso. Daí a necessidade de se fazer cursos extras, como o de línguas, para se adequar às exigências do mercado de trabalho. Enfim sentimos na pele aquele discurso de qualificação profissional que tanto ouvimos falar nas aulas de Geografia.
Embora eu me considere um dominador razoável da língua inglesa, me apresentar assim não me serve para nada em uma entrevista de trabalho, ou melhor dizendo, não convence. As empresas se sentem mais seguras em relação a um candidato que apresenta um certificado de conclusão de um curso de línguas; isso dá credibilidade à habilidade linguística do candidato. Daí o meu objetivo de fazer um curso só de fachada, só para dizer que fiz. Nunca tive dinheiro para fazer esses CCAAs, Brasas, e Culturas Inglesas da vida. Meu aprendizado em inglês deu-se através de videogames jogados ao longo da vida e filmes legendados. Os pornôs serviram para complementar, oferecendo-me a oportunidade de ouvir o seu vocabulário informal típico.


Interessado no curso de inglês decidi aparecer por lá. No folheto dizia que maiores informações seriam dadas no local, na sexta e no sábado sem a possibilidade de prorrogação da oferta. Resolvi dar uma conferida no sábado, duas horas antes do horário em que o atendimento se encerrava.
Chegando lá, desembolsei meus documentos de civil para aquele ritual característico de cadastro. Para o quê eu nem sabia. Nem havia necessidade disso. De tanto recitar meus números de RG, CPF e CEP, acabei os decorando de cabeça. Finalizado o processo a gentil recepcionista me pede para aguardar por alguém que logo iria aparecer para falar comigo. Assim permaneci ali sentado, sem saber para onde olhar.
Enfim chega o sujeito para me atender. Jovem, não combinava com o terno que trajava. Ele se apresenta, aperta a minha mão e me pede para acompanhá-lo. Depois de mostrar as instalações do lugar ele me leva até a sua mesa. Começa a fazer uma encenação boba típica de vendedor. Mostra primeiro os preços cobrados de um aluno regular inscrito no curso, sem direito a benefícios. Depois disso ele mostra a minha situação. Supostamente eu teria direito a um benefício por ter trago o tal folheto beneficente comigo.  Escreve numa folha de papel os mesmos valores de taxa de inscrição, mensalidade e material didático cobrados de um aluno regular. Corta os dois primeiros valores e os substitui com zeros para tentar me impressionar. Restava então só o valor do material didático, comprado todos os meses por 267 reais. Ele inventa uma promoção em que diz que irá dar “para mim” um desconto de 50%.


Realmente parecia uma oferta interessante. Mas tinha algo suspeito ali. Eu tinha aparecido no lugar só para saber as condições da oferta e do funcionamento do curso e o cara já queria que eu assinasse um contrato. Também achei estranho o sistema de multas e de desligamento de curso. Se eu atrasasse o pagamento um dia sequer, o desconto de 50% era cancelado até o término do curso e se durante os 3 anos de curso eu resolvesse desistir teria que pagar uma multa de 30%. De quê eu não sei. Provavelmente 30% do valor total de todas as mensalidades que ainda pudessem faltar pagar. Deixei-o continuar falando para ver se eu tinha entendido algo errado. Isso porque até o momento ele sequer havia tocado no assunto que tinha me trago ali: no folheto dizia que eu teria direito a um benéfico mensal de 90 reais. Perguntei a ele à respeito disso. Aí ele se enrolou e tentou me convencer de que esses 90 reais já estavam sendo descontados daqueles 50%. Não acreditei. Achei suspeito de novo. Foi a gota d’água que me fez querer dar meia volta e sair dali.
Desculpei-me, fingi-me constrangido e disse que a oferta não daria pra mim. Senti-me mal por ter feito o cara se empolgar, se dando o trabalho de anotar meus dados e ter pegado a papelada toda à toa. Mas por outro lado eu como falido pensei bem: não ia ter como eu pagar de qualquer jeito, ia acabar sobrando pros meus pais. O preço da mensalidade apesar de acessível não seria pago por mim. Além do mais vale lembrar que sequer tive a oportunidade de discutir o assunto com eles e considerando o caráter extraordinário da promoção, eu tinha que dar uma resposta ali na hora. Desse jeito, com essas condições, decidi não assinar nada. Não sou maluco de assinar um contrato de uma coisa que eu sequer ia ser o responsável pelo pagamento. Não duas vezes...
Na ultima tentativa desesperada ele disse secamente que iria dar minha vaga para outra pessoa, meio que tentando fazer um joguinho psicológico comigo, no sentido de eu estar deixando escapar uma oportunidade valiosa. Mais do que nunca me veio à cabeça a imagem do lobo em pele de cordeiro. Não quis ficar ali para ver a sua próxima artimanha. 


Posso até estar enganado e ter perdido uma boa oportunidade de me aprimorar à um preço acessível. Mas tive o pressentimento que tinha alguma coisa cheirando mal ali. Senti que ali rolava algo fraudulento; que era um esquema esquisito para ludibriar pessoas desatentas, ou se preferir, uma propaganda enganosa com ares de projeto beneficente. Por esses motivos tenho o sentimento de que por pouco não caí num golpe, mas isso pode ser só impressão minha. Quando a esmola é demais o santo desconfia.

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