domingo, 30 de junho de 2013

Falta Coração

A história de hoje ocorreu em meados do ano passado. Eu estava em uma fase ruim (como se eu já tivesse uma fase boa). Encontrava-me falido, recém-desempregado e além disso, assim como outras no país, minha faculdade estava em greve. Estive nesse período quase completamente desplugado do mundo. Foram longos dia de reclusão dentro de casa. Era quase um hospício privado. Naquele momento, toda e qualquer aventura era bem-vinda, por mais esdrúxula que fosse. Independente do resultado, eu teria a oportunidade de ver o mundo e ter contato com outros seres humanos. Eu sei. Muita carência.


Foi no meio de uma dessas aventuras que me surgiu a oportunidade de ir até outra. Estava na recepção de um consultório dentário, no Centro do Rio, quando me telefonaram para uma entrevista de estágio em um campus da minha universidade.  Disseram para eu ir no mesmo no dia. Sem pensar duas vezes fui. Talvez mais pela aventura do que pela vaga em questão.
Deu ruim. O trânsito engarrafado do trajeto Centro-Ilha do Fundão, somado ao meu péssimo senso de direção, me fizeram chegar meia hora atrasado. Na entrevista, fui mal. Estava nervoso e notadamente indeciso sobre a vaga. Além disso, fui "sabotado". Na hora em que fui mostrar ao entrevistador um site que colaborei e que faz parte do meu portfólio, passei por uma situação constrangedora: todos os meus posts haviam sido excluídos. Nunca mais colaboro em sites de desconhecidos. Senti-me como um malandro, com um currículo de realizações falsas. Saí com a certeza de que não conseguiria o estágio. Foi mais uma daquelas vagas que irei aguardar eternamente por uma resposta.


Peguei um dos ônibus internos do campus para voltar. Dentro da condução um pequeno grupo despertou meu interesse: três jovens universitários, de livros em mãos e sorrisos nos rostos. Eram estudantes de Letras que conversavam despreocupadamente sobre trivialidades. Havia uma garota baixinha e magricela com cabelos enrolados que escondiam seu rosto, e outra do seu lado, bonita, morena cor de canela, e cega de um olho. Uma arrumava o cabelo da outra, enquanto na frente delas, o amigo, um garoto cheio de espinhas no rosto, dizia frases cheias de palavrões, algo que, pelo jeito, elas não pareciam se importar. Achei muito bonito. 
Eram três amigos unidos, como há muito tempo eu não encontrava. O retrato fiel de uma amizade sincera entre jovens. O trio de pessoas esquisitas (para os chatos de plantão, substituir o adjetivo anterior por "não convencionais") mais bonito que eu já vi. Poderia até dizer que me caiu uma lágrima ao vê-los juntos, mas estaria mentindo. Contudo, fiquei tocado com a cena. Só de olhar os três senti uma sensação boa. Por um momento, desejei trancar meu curso e ir estudar Letras só para ser colega deles.


Olhava estático para eles. Tive uma epifania. "Falta coração", pensei. Não digo necessariamente comigo. Quis dizer em minha vida, ao meu redor. Ao vê-los, senti saudades da minha época de colégio e olha que ela nem era tão boa assim para mim. Mas comparando com a situação atual, era bem melhor. Pelo menos, havia "coração". Mais alma, mais amor. Mais vontade de conhecer as outras pessoas que, diariamente, compartilhavam o mesmo ambiente. Acho que fiquei mal acostumado. Os dias eram mais brilhantes e as amizades mais sinceras e fáceis de se estabelecer ano após ano. De repente, tornei-me universitário e as coisas mudaram bastante. 
Tenho um hábito semelhante ao da Amélie Poulain nos cinemas. No filme, ela diz que quando vai ao cinema gosta de ficar observando os rostos das pessoas enquanto assistem os filmes. A diferença é que faço isso em todos os ambientes coletivos que frequento. Tenho a impressão de que  eu sei o quanto isso é divertido. A exceção se faz nas salas de aula da faculdade. Tento olhar os rostos ao meu redor e não consigo. A maioria fica enfurnada nos seus tablets e smarthphones


Há pouco interesse em interação com as pessoas. Com a realidade. Acho isso preocupante, e olha que eu sou um misantropo assumido. Mas ninguém parece se importar muito com isso. Todo mundo é maneiro, autossuficiente. Não precisa de ninguém. Tem suas amizades selecionadas fora dali. Eu me reservo a observar tudo de longe. Volta e meia, lembro dos três doidinhos dentro do ônibus de forma melancólica e penso: "Falta coração". 
Acho que os três eram calouros, ainda não contaminados pelo individualismo do homem jovem, moderno e independente. Três espíritos jovens e inocentes, ainda pouco preocupados com rótulosméritos e impressões. Sabe-se lá como estão os três amigos hoje em dia. Espero que bem e unidos.


Invariavelmente, algum dia, chega a hora em que cada um segue seu caminho sozinho. O desmazelamento da sociedade é inevitável. Daqui a pouco estarão colocando seus óculos escuros e roupas sociais, desfilarão com ares de importância, dirão que não têm tempo para nada. Dizem-me que isso é amadurecer. Pode até ser. Mas acredito, com alguma esperança, ser possível amadurecer sem ser babaca. Mais amor, menos máscara.


PS: Volto só em agosto. Abraço!

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