sábado, 5 de março de 2016

A Admiradora Inesperada

Fui assistir no cinema o filme do Deadpool na semana de estreia. Sozinho, mas não por falta de tentativas. Fiz uns convites aqui e ali, contudo só ouvi desculpas esfarrapadas, o velho papo furado de sempre. Sempre me perguntam: "Porque você não convida alguém?". Até convido, porém nem sempre aceitam. Ou enrolam muito. Já perdi muitos programas legais por ficar esperando os outros. Se há algo que todos esses anos da minha existência errática me ensinaram é que não dá para viver aguardando a vontade alheia. Tem horas que você simplesmente deve ir. Mesmo que só.


Fui no sábado. Tijuca. Dia quente. Pelo caminho, as ruas estavam cheias de pedestres. Havia até mesmo rapazes do Exército distribuindo panfletos sobre a prevenção do zika vírus, a praga da vez. Peguei um por mera educação, já que acabei nem lendo. A aventura mal havia começado, mas eu já estava achando o passeio desgastante por conta do calor. Suava igual a um porco. Também, pudera: inventei de ir com calça comprida e uma camisa preta com o logo do Batman. Não sou miliciano não, moçada. Sou apenas mais um fã do Cavaleiro das Trevas. Sei que o Deadpool é da Marvel e o Batman, da DC, mas o que importa? Era só uma camiseta.


Cheguei ao andar onde ficava o cinema, no alto do shopping, e lá, uma fila considerável distanciava-me do meu ingresso. Filas de bilheteria de cinema sempre me causam angústia. Sempre fico paranoico, achando que os ingressos vão se esgotar exatamente na minha vez de comprar, dada a minha sorte. Embora isso só tenha acontecido comigo duas vezes na vida, esse medo é recorrente. Quando você está acompanhado, tudo bem esperar duas horas até a próxima sessão, principalmente se a companhia for boa. Mas quando você está sozinho é preferível ir embora e tentar assistir ao filme outro dia.


Pelo visto, naquele fim de semana, várias pessoas tiveram a mesma ideia que eu e resolveram assistir ao filme do mercenário tagarela. Sofri na fila uns quinze minutos, pois o ar condicionado fraco não estava ajudando muito. Mas enfim chegou a minha vez. Quando a moça da bilheteria (geralmente, a única pessoa a quem dirijo uma palavra nesses passeios solitários) me perguntou qual lugar eu queria, levei um susto. Quase todos tinham sido escolhidos. Só restavam uns quatro pontinhos verdes, indicando que não estavam ocupados, sendo que dois destes eram para deficientes físicos. Acabei optando por um lugar no fundão (O1) e sai satisfeito.


Era tempo de comprar o lanche. Ainda faltava uma hora para começar o filme. Nunca compro nada na bomboniere do cinema já que o preço da pipoca, me perdoem o trocadilho é bastante salgado. O combo com refrigerante sai bem mais caro que o ingresso. Não sou nenhum pão-duro, mas o preço que cobram é uma grana considerável que dá para ser melhor aproveitada comprando mais comida em outro lugar, gastando menos. Além disso, tem o fato de que eu não sou mais estudante. Logo, pelo menos até eu me tornar idoso, tenho que pagar inteira (a menos que me torne um mau exemplo corrupto como você que falsifica carteirinha de estudante). Sendo assim, fui até aquela rede de lojas de varejo que rima com "bananas" comprar algumas porcarias para comer.
Na hora de pagar, deparei-me com outra fila. Dessa vez maior do que a do cinema e com consumidores bem mais agitados e cheios de manias. Uma mulher, que estava atrás de mim, não parava de esbarrar com a bolsa nas minhas costas, como se tal ato birrento e infantil fizesse a fila andar mais rápido. O ar condicionado da loja também não ajudava muito o que me gerava suor, cansaço e estresse. Porém o que me mais me incomodava eram as pessoas. Os ditos consumidores. A classe média em carne viva no seu modo operacional capitalista. Mexiam em cada em cada produto, por mais inútil que fosse, como se fossem crianças encantadas com os diferentes tipos de doce em uma doceria. Além disso, tinha a tal que ficava me esbarrando com a bolsa durante o percurso inteiro.
Tenho um ligeiro problema de raiva que disfarço bem. Entenda: no meu ponto de vista, sou normal, o resto do mundo que é louco. Logo, para não parecer um desequilibrado, tento me controlar. Existe gente de todo tipo e a gente não pode fazer nada, a não ser aceitar. E por mais que às vezes eu não curta o jeito de outra pessoa, tento não estragar o dia de ninguém sendo grosseiro ou inconveniente. Contudo, já estava no meu limite. A situação era uma prova de fogo. Desafiavam a minha paciência. 
Até que chegara a minha vez, mas adivinhem, a caixa deu defeito. O sistema caiu ou algo do tipo. Já irritado, acabei sendo atendido em outro caixa depois da mulher da bolsa, que estava atrás de mim na fila. O operador ainda veio me perguntar se eu queria por o meu CPF na nota fiscal. Sem olhar para ele, só balancei a cabeça negativamente pensando "Por favor, anda logo, quero sair daqui". Com certo esforço, me controlei e não descontei minha raiva no trabalhador, vítima de uma má gerência visível. Com a loja cheia, podiam deslocar mais funcionários para as caixas.
Sai de lá com as minhas gordices em uma sacola, olhei para o relógio e vi que faltavam dez minutos para o filme começar. Subi tranquilo, visto que era lugar marcado. Uma fila bem grande para entrar na sala já havia se formado, o que era natural, já que os ingressos tinham se esgotado. Fui ao banheiro mijar e jogar água no rosto. Voltei para o hall do cinema e a fila ainda não tinha começado a andar. Resolvi encostar-me em uma parede com sombra, longe da claridade, mas fora da fila, de modo que quando ela andasse eu entraria ao final depois de todos que nela se encontrassem. Se não deu para perceber não gosto muito de gente. Procuro me distanciar sempre que possível de muvuca. Gosto de espaço, respirar um ar só meu. Além disso, havia saído sozinho de casa. Ainda tinha que me ver obrigado a ficar em fila vendo casal de namorado se beijar e grupinho de amigos rir? Nada contra, mas bom para eles, não para mim. Só queria ficar em paz, longe da felicidade alheia.
Fiquei na minha, distraído, como quem não quer nada, ouvindo uns sambas do Cartola salvos no celular. Foi aí que do nada observei uma garota que eu nunca havia visto antes na vida andando até a minha direção. Era uma completa desconhecida. Imaginei que ela tivesse me confundindo com alguém, fosse perceber o erro ao chegar perto e recuasse. Ou que fosse alguma maluca esquecível que eu conheci pela internet e que mandei para aquele lugar buscando vingança. Nova, ela parecia ser adolescente. Devia ter de uns 16 anos para cima. Ela era clara, tinha penteado curto, e usava camisa branca e uma saia preta com bordados. Meio indiezinha. Visual pouco convencional para a idade. Nenhuma Audrey Hepburn, mas uma gracinha. Até bonita. Timidamente, ela me disse:
— Eu estava ali na fila com meus amigos te vi e te achei lindo. Posso te dar um abraço?
Fiquei sem reação. Por aquela eu não esperava. Desconfiado ainda, pensei que fosse alguma pegadinha. Mas permiti. Agradeci o elogio. Abracei-a. Imaginei por um segundo que talvez houvesse uma motivação mais obscura, como se ela fosse tentar me esfaquear igual em cenas de traição de filmes épicos ou mesmo colar algum papel com dizeres idiotas nas minhas costas mas acabou que não. Foi só um abraço mesmo.


E ela se foi. Fiquei ali, estupefato, ainda tentando entender a situação. Ao meu lado um casal que observara a cena tentava segurar o riso. A fila andou, perdi ela de vista e acabei entrando depois na sala, depois que a maioria já havia ingressado. Cheguei até a encontrar um conhecido nesses instantes. Tenho uma maldição de shoppings. Sempre que vou a um, encontro algum conhecido. Nem sempre alguém próximo, mas um mero rosto familiar que em algum momento fez parte da minha história, bem, mal ou de forma indiferente.
Enfim entrei para assistir ao bendito filme do Deadpool. Enquanto os intermináveis comerciais e trailers passavam, comecei a analisar seriamente a oportunidade perdida. Até me sentar na poltrona ainda não me tinha caído a ficha. Pensei na burrada que tinha feito. Fui um completo banana. Não falei nada. Um homem com 25 anos na cara e ainda todo sem jeito. Nem para pedir o número da garota ou sequer o básico: ter perguntado o nome dela. A coitada, provavelmente, deve ter se sentido rejeitada. Vivo reclamando de falta de sorte e quando do nada me surge algo real e promissor, jogo essa oportunidade por água abaixo. Lastimável.


Vivo me maldizendo por conta de falta de oportunidades. Deixei uma inédita passar. Sim, admito que nunca antes na vida uma garota se aproximou de mim para fazer qualquer tipo de elogio. Geralmente as desconhecidas (e pensando melhor, as conhecidas também) que se aproximam de mim na rua querem algum tipo de favor, informação ou dinheiro. Nunca houve antes uma admiradora da minha (risadas de fundo de plateia) beleza. Pelo menos, não dessa forma explícita.
Sentando na poltrona de canto de sala, abri o refrigerante e o gás os fez trasbordar melando o chão. Mais uma para somar ao meu festival de trapalhadas do dia. Pensei, "Sou um maldito, essa garota merece coisa melhor". Daí um casal pediu para eu trocar de lugar com eles, para que um senhor pudesse se sentar ao lado do filho. Sem comentar sobre a sujeira que fiz, malandro, aceitei na hora. Acabei vendo o filme em uma cadeira no meio da sala. Um lugar melhor. Não tive culpa: eu estava na minha, eles que fizeram a proposta.
Decerto fora um dia de aprendizados. Às vezes, mesmo em um dia, aparentemente, ruim podem acontecer coisas boas. De onde menos se espera. Tal qual encontrar um copo d'água no meio do deserto. Entendem o que quero dizer? Quanto ao filme, Deadpool, mote da minha aventura, até que foi bom, cumpriu minhas expectativas. Só creio que com o passar dos anos ele vai acabar adquirindo um sentimento nostálgico para mim por conta de toda essa experiência. É capaz de lembrá-lo como "o dia em que deixei ela ir embora". Depois do filme, como um bom stalker, até esperei na saída do cinema com a vã esperança de encontrá-la novamente. Queria ao menos saber seu nome. Pois é, acho que nunca mais.

PS: Me ausentei esse tempo todo porque tava resolvendo coisas da minha vida pessoal. Mas agora vamos lá, semanalmemte, até o fim do semestre com historinhas bem gostosas de se ver. The Pharaoh is back!

sábado, 9 de maio de 2015

EarthBound

Hoje vou falar sobre Mother, uma das minhas franquias favoritas de videogame. Ao todo foram lançados três jogos exclusivos para consoles da Nintendo. O primeiro foi Mother, lançado em 1989, para o Famicon; o segundo, Mother 2, lançado em 1994, para o Super Famicon; e o terceiro, Mother 3, lançado em 2006 para Game Boy Advance. Apesar do sucesso no Japão, o único jogo que teve um lançamento oficial no ocidente foi Mother 2, que neste lado do mundo teve seu nome alterado para EarthBound para evitar confusões do público com a continuidade.


Meu primeiro contato com a série foi através do jogo Super Smash Bros, para Nintendo 64, que tinha incluso como personagem secreto, Ness, protagonista de EarthBound. Para quem não sabe, Super Smash Bros foi o primeiro de uma série de jogos de luta, conhecida por reunir personagens icônicos da Nintendo. Nesse jogo, por exemplo, tinha Mario, Donkey Kong, Pikachu, dentre outros. Ness me chamou a atenção, pois era o único que eu desconhecia o respectivo jogo de origem. Fui pesquisar e descobri que ele era oriundo de EarthBound, um RPG, para mim, obscuro.


Mais de meia década depois, pude jogar EarthBound pela primeira vez. Na época eu havia baixado um pack com várias roms de Super Nintendo. Vi o nome do jogo, achei familiar, relembrei e decidi matar aquela velha curiosidade. Estava até curtindo o jogo, até que veio a primeira batalha. O estilo era idêntico ao de Dragon Quest. Por conta disso, larguei EarthBound.


Nunca fui grande fã de jogos de RPG, mas reconheço que existem jogos ótimos. Logo, às vezes, dou uma chance a esse tipo de jogo. Em certa época de tanto ouvir falar em Dragon Quest resolvi jogar. Escolhi o primeiro game e odiei por causa do estilo das batalhas randômicas, em que só se via o inimigo estático na tela e menus de comando. Achei sem graça e entediante. 



Foi então que no ano passado, novamente, mais de meia década depois, tive um reencontro com EarthBound. Li uma notícia dizendo que um grupo de fãs estava produzindo o quarto jogo da série. Isso mesmo, você não leu errado. Os fãs estavam criando um jogo original, Mother 4, sem a participação da Nintendo e sem fins comerciais. Ao saber disso fiquei impressionado e curioso. Fiz minhas pesquisas e descobri que a série Mother, apesar de possuir apenas três jogos oficiais, tem um dos fandoms mais fiéis dentre os gamers. Para saber o porquê, precisava tentar jogar EarthBound novamente.


Dessa vez, foi amor à segunda vista. Embora o sistema de batalha me incomodasse um pouco no começo, com o tempo fui me acostumando. O que me atraiu no jogo foi sua história, seus personagens carismáticos, os diálogos non-sense, o humor, as bizarrices, as paródias, as referências musicais, as questões existenciais, as relações humanas. O jogo é tão rico, que se eu resolvesse falar de tudo daria para escrever um livro. Vou pontuar alguns destaques, mas nada do que eu disser equivalerá a experiência. Portanto, joguem!


EarthBound, bem como todos os jogos da série Mother, são RPGs ambientados em um mundo bem parecido com a sociedade contemporânea ocidental. Uma ideia simples, mas bastante original. Afinal o que se pensa ao falar em RPG? Em cavaleiros, espadas, dragões, magias, castelos, poções, princesas, elementos que estão presentes em qualquer RPG genérico. Em EarthBound, os protagonistas são simples crianças, munidas de ioiôs, estilingues e bastões de baseball, que lutam contra inimigos como punks e animais agressivos. Até hippies entram na brincadeira. Mesmo trazendo elementos fantasiosos, como poderes psíquicos e extraterrestres, a ambientação do jogo é claramente baseada na realidade.


Apesar de ser estrelado por crianças, não se deixe enganar pelas aparências. À primeira vista, você olha aquele jogo cartunesco, ultra-colorido, com aparência de desenho de criança e acha que ele é essencialmente infantil, o que é um grande erro. EarthBound pode ser jogado por pessoas de todas as idades. Sob a perspectiva e inocência de uma criança, o jogador caminha em um jogo parecido com o mundo em que vive, conhece vários lugares e pessoas diferentes e observa as barbáries e absurdos típicos do mundo dos adultos, como o fanatismo religioso e a brutalidade policial. Um dos principais temas de jogo, é o abandono. Em certos momentos, é possível sentir a solidão dos personagens.


A origem do nome da franquia está na canção Mother, de John Lennon. Fã dos Beatles, o criador da série, Shigesato Itoi, assim como Lennon, cresceu em um lar com pais ausentes, daí a homenagem. Em EarthBound o abandono dos pais é bastante visível. O pai do protagonista nunca aparece. Ele é representado por um telefone, cuja função é salvar o progresso no jogo. Em dado momento, Ness não consegue batalhar porque sente saudades de casa. Uma ideia brilhante, visto que nesse tipo de jogo, nunca é pensado o quanto é irreal uma criança sair vagando sozinha pelo mundo. Jogos de Pokémon, sim estou falando como vocês.


Amei jogar EarthBound por conta de sua originalidade e bizarrices. Enquanto se joga, você fica ansioso, se perguntando o que vai acontecer, diferente de games com roteiros previsíveis. Mas nada supera o sentimento e a empatia que se tem jogando. Acaba-se criando um laço com os personagens, até os não-jogáveis. No início, você joga sozinho e passa por dificuldades nas lutas. Até que vão entrando mais membros no grupo, você evolui, eles também, ao passo que o próprio jogador vai se sentindo mais forte, e principalmente não mais sozinho.



O final é emocionante. Não vou escrever para não dar spoiler. O desenrolar do desfecho, desde a batalha final até o último adeus. É de cortar o coração. Dá vontade de entrar na tela e abraçar todos. De pedir para eles ficarem. Essa é a prova definitiva de que um jogo é bom. Mesmo dando trabalho para zerar, você quer jogar mais. Enfim, pude entender porque EarthBound reúne tantos fãs pelo mundo. Acabei virando um. 


PS: Estou jogando Mother na semana do dias das mães. Santa coincidência, Batman!

sábado, 2 de maio de 2015

Dois Ratos

Odeio ratos. Não sei a diferença entre rato, ratazana e camundongo, muito menos desejo aprender a distingui-los. Não sou biólogo. Para mim são todos ratos, diga-se, criaturas repugnantes intrinsecamente relacionadas à sujeira. Esses seres constituem-se como uma praga urbana, invadindo casas, roendo objetos, comendo alimentos, trazendo doenças, e, claro, assustando as donas (e donos, para não soar machista) de casa. Por conta desses motivos, sempre achei surreal o fato de fazerem tantos desenhos animados com personagens fofinhos e carismáticos baseados em ratos. Baita bicho nojento! Mesmo assim, sei que apesar de tudo, eles são seres vivos, como nós os humanos, e todos os outros animais.


Sobre animais em geral, serei curto e grosso: não gosto e nem desgosto. Não sou do tipo de pessoa que para no meio da rua para fazer carinho em gato e cachorro, por exemplo. Deixo os bichos quietos. Eles lá e eu cá. Acredite, de alguma forma na minha cabeça, manter distância é uma forma de demonstrar respeito. Tento me pôr no lugar deles. Se eu fosse um animal, não queria que nenhum humano carente viesse me encher o saco como se eu fosse um brinquedinho criado para animá-lo. Uma das desvantagens de ser um animal é que diferente dos humanos, os bichos não podem dizer às pessoas o quanto elas são chatas e inconvenientes.


Voltando ao papo de roedores, no começo deste ano um rato conseguiu entrar na cozinha da minha casa. Ele ficou durante cerca de uma semana aprontando das suas, aparecendo e se escondendo quando percebia a presença de alguém. Até que em um belo dia, conseguimos encurralar o bicho e não deu outra: tive que ser o seu carrasco. Não há forma suave de se dizer isso. Tirei a vida daquele pequeno ser vivo. Não quero parecer fresco, mas aquela ação me doeu um pouco por dentro. Me senti mal comigo mesmo, vendo o rato lá, na minha frente, guinchando, debatendo-se de dor. A cada golpe de vassoura que eu dava eu podia sentir sua vida indo embora. Tentei acabar com seu sofrimento o mais rápido possível, pois aquilo não me dava prazer algum. Porém, sabia que se eu deixasse vivo o rato, um ser irracional, ele iria voltar a se esconder na cozinha e causar mais estragos, ao invés de simplesmente sair pela porta.


Matar um rato para mim foi uma experiência chocante. Anteriormente eu só havia matado insetos. Foi a primeira e espero que última vez que tive que matar um ser vivo de carne e osso. O caso me lembrou um episódio que vi na série animada do Batman. Em uma das aventuras, o homem-morcego teve que lutar contra uma pantera. Apesar de ser apenas um desenho, fiquei apreensivo imaginando se o Batman iria matá-la ou não. Meu desejo era que ele não a matasse, afinal era só um animal carnívoro agindo conforme seus instintos. Por outro lado, o herói precisaria se defender de alguma forma. No final das contas o Batman resolveu o problema, tirando do cinto de utilidades um gás sonífero e colocando a pantera para dormir. Sei que a comparação está em um nível colossal de diferença, mas a lição principal que se tira é que não sou o Batman. Nunca tenho planos ou preparo. A vida gosta de me lembrar disso. 


Na mesma época em que matei esse rato estreou a nova temporada de JoJo’s Bizarre Adventure: Stardust Crusaders. Não pretendo me alongar explicando a história do anime. O que houve de relevante com o caso foi o novo encerramento, com presságios do que viria a acontecer futuramente na trama. O vídeo oferece indícios sutis de que nem todos os personagens iriam sobreviver ao final da jornada, algo que fica claro para quem leu o mangá e já conhece o desfecho da saga. Em uma parte é mostrado um rio, no qual que em uma margem estão os sobreviventes e na outra os que irão morrer na história. Na cultura egípcia, estar do outro lado do rio, simboliza fazer a passagem para o outro mundo. 


Os ditos personagens são protagonistas da animação. Não vejo problema algum matar seres da ficção, mas quando eles são os mocinhos, às vezes, a partida permanente nos deixa meio abalados. Principalmente quando são personagens de séries ou animes que, diferente de filmes, passamos meses assistindo. Pode soar bobagem, mas por passar tanto tempo acompanhando suas aventuras a gente acaba estabelecendo um laço, uma empatia, com os caras. Como não sou spoilerfóbico fui pesquisar para saber como os ditos personagens morreriam e acabei me surpreendendo com a brutalidade de todas as mortes. É bom deixar claro que em JoJo, desde a primeira temporada fica claro que nem o protagonista está salvo de morrer. Nem todo anime é como Dragon Ball em que os personagens morrem e ressuscitam o tempo todo. Acabei descobrindo que os personagens de JoJo os quais pesquisei seriam exterminados por seus inimigos, de forma fria, como se fossem insetos. Ou ratos. Embora ficcionais, os personagens eram representações de pessoas, algo que me fez questionar o valor da vida. Será que a vida de qualquer outro ser vivo vale menos que a de um homem?


Recentemente, apareceu outro rato aqui em casa. Foi quase a mesma história, só que com um final diferente, não necessariamente feliz. O rato apareceu na cozinha, ficou dias lá, e depois deu um jeito de entrar no meu quarto. Ele ficou uns três dias escondido atrás do armário, até aparecer, sair do quarto, passar pela sala e sair dela por debaixo da porta, como se fosse o Senhor Fantástico. No dia seguinte ele havia reaparecido na cozinha. Dessa vez, morto, preso a fiação elétrica da lâmpada no teto, com o sangue pingado no chão. Como ele chegou lá, não faço a menor ideia. Mas pelo menos, dessa vez, não fui eu que matei. Foi o destino (apesar de não acreditar nessas coisas) daquela pobre criatura. Embora me enojem, detesto matar ratos. Deixá-los vivos é duplamente benéfico. Além de não ter peso na consciência você não precisa pegar em rato morto para jogá-lo no lixo. Mas, às vezes, não tem jeito: mesmo não sendo o carrasco, você pode acabar se tornando o coveiro.



PS: Vejam JoJo! Vale a pena. Só cuidado com os feels e as poses. 

sábado, 18 de abril de 2015

Não Há Ninguém Perto De Você

Conheci o Tinder há cerca de um ano. Na verdade, já tinha ouvido falar sobre ele anteriormente, porém só tive interesse em conhecê-lo de fato no ano anterior. Caso não saiba, o Tinder é um aplicativo de relacionamento para smarthphone, que exibe perfis de pessoas com fotos e uma breve descrição da dita cuja. O usuário pode ajustar o alcance em quilômetros de sua distância para os demais que utilizam a ferramenta, logo é possível visualizar perfis de pessoas que estejam perto. Quando se abre o Tinder, na tela aparecem fotos de homens ou mulheres, conforme a preferência de quem usa, as quais é possível curtir ou não, pressionando os respectivos botões. Se dois usuários se curtirem, ou seja se der "match", torna-se possível iniciar uma conversa via chat através do aplicativo. Daí em diante vocês conseguem imaginar as possibilidades.


Ainda me recordo de como eu tive conhecimento sobre esse aplicativo. Estava na fila de entrada para uma casa noturna, bancando o arroz de festa com uma amiga e a amiga dela, quando notei que as duas não paravam de deslizar seus dedos nas telas de seus celulares. À primeira vista, imaginei que estivessem conversando com alguém no Facebook ou Whatsapp, mas por estar próximo à elas pude observar que era uma ferramenta diferente, com tom laranja, e que exibia fotos, no caso, de homens. Não resisti à curiosidade e perguntei o que era aquilo. 


Após descobrir o propósito do Tinder, emendei um clássico discurso de velho estraga-prazeres, dizendo que no mundo moderno as relações estão virtuais demais e as pessoas estão cada vez menos sensíveis e mais individualistas, ao invés de privilegiarem o contato com seres humanos no mundo real. Na ocasião, iríamos para uma festa. Havia um monte de gente de carne e osso para conhecer e as duas ali, compenetradas em seus aparelhos, verificando Tinder. Após me ouvir, as duas reviraram os olhos em desaprovação, mas nem liguei. Eu sequer estava levando a sério o que disse; só queria ser do contra e disseminar a discórdia, apesar de saber que no fundo meu discurso tinha um pouco de verdade. Bastou lembrar vagamente de todas as amizades virtuais que havia feito na vida e contar quantas que permaneceram comigo até então, de uma forma presente, constante, significativa. Nenhuma.


Contudo, como sou a contradição em pessoa, logo no dia seguinte àquela festa a qual minha única interação com pessoas novas se deu através de esbarrões em gente bêbada e suada (além, claro, de não ter dado uns pegas na amiguinha), resolvi instalar o Tinder no meu smarthphone. Sem mais delongas, contarei as minhas impressões.


Inicialmente, fiquei surpreso e entusiasmado com a quantidade de mulheres bonitas e supostamente solteiras que moravam perto de mim. Mas com o tempo, logo voltei à realidade. Elas de fato existem e estão por aí, entretanto isso não significa que gostariam de ficar comigo ou ao menos me conhecer. Não demorou para eu perceber que o número de matchs com garotas que eu desejava, vistas no Tinder, seria abaixo das minhas expectativas. O bom disso é que diferente do mundo real, ao menos eu seria poupado de possíveis rejeições. Cabe dizer, contudo, que me surpreendi com alguns matchs que para mim pareciam bastante improváveis. Jamais imaginaria que determinadas garotas me curtiriam. Outra coisa bastante curiosa foi achar pessoas conhecidas, desde colegas de colégio ate ex-chefes. Pelo visto, não sou o único na luta.


Sobre os perfis do Tinder, tenho que dizer que além do julgamento mais simples que se pode ter sobre uma pessoa ao olhar a foto dela, achando-a bela ou feia, você pode se surpreender e até mesmo se divertir com o que pode encontrar lá. Sério, caso esteja se sentindo mal, deprimido, inseguro consigo mesmo, ou algo do tipo, aconselho a usar o Tinder. Você verá tanta gente bizarra e estranha que começará a se sentir um ser humano melhor. Não me  refiro especificamente à feiura de terceiros. Há muita gente que se coloca em situações ridículas perante um número enorme de desconhecidos, como se nunca tivessem ouvido falar em apresentação pessoal. Uma vez eu vi no Tinder a foto de uma mulher de 30 anos com a bunda toda de fora, olhando para trás sorrindo. Não que eu não goste, mas o ato é no mínimo questionável. Francamente, o que devo pensar sobre uma pessoa cujo cartão de apresentação é o lombo? No Tinder também não é difícil encontrar perfis de travestis e de garotas de programa. Já apareceu para mim certa vez uma foto de um negão barbado com peruca loura e vestido de oncinha. Nada contra, mas ele (ou ela, sei lá) não fazia meu tipo. Gosto das minhas mulheres como gosto do meu café, sem pênis, obrigado.


Sim, já sai com garotas que conheci no Tinder, umas completas desconhecidas. Fui sem medo, com espirito de aventura. Pessoalmente, se eu fosse mulher não aceitaria sair com um cara que nem conheço, mas as garotas que convidei aceitaram. A decisão foi delas. Não se preocupe, estão todas vivas. As mulheres sempre tem medo de sair com um desconhecido e acabar descobrindo que o cara é um psicopata, assim muitas delas ficam receosas. Mas na realidade na maioria das vezes o que acontecer é o cara descobrir que a garota da foto na vida real é bem mais gorda. 


Sempre perguntei a cada garota que conheci através do Tinder o que elas estavam procurando no aplicativo recebi as mesmas respostas clichês-genéricas: “Para conhecer pessoas novas” ou “Para saber como era”. Eu, por outro lado ia direto ao ponto. Respondia que usava para conhecer garotas. Eufemismo não é minha praia. Apesar de garotas serem obviamente pessoas eu preferia deixar claro que não estava no Tinder para fazer amizade com homem algum, da mesma forma que elas não estavam lá para conhecer outras garotas. Conhecer pessoas então, uma ova. A não ser que você seja bissexual, é claro.


Não vou ser babaca de entrar em detalhes sobre minhas aventuras e encontros propiciados pelo Tinder, mas posso dizer que conheci garotas bastante diferentes. Tive a oportunidade de conversar com meninas legais de diferentes cores, crenças e personalidades. Por outro lado, também conheci umas bem chatas e enjoadas. No Tinder pode acontecer de dar match, a garota fornecer o contato dela e mesmo assim ela não querer conversar ou sair com você. Quando respondem, dizem que estão ocupadas ou não tem tempo. Porque estão no Tinder ou dão seus contatos são mistérios que nunca irei compreender. Sem contar as pessoas comprometidas que instalam um aplicativo de relacionamento para fazer amizades com desconhecidos, em geral, solteiros. Por essas e outras, aprendi que não dá para levar o Tinder muito a sério, apesar da ideia ser boa. Isso vale até mesmo para os possíveis encontros marcados. Um dia você pode conhecer alguém legal, marcar de sair, ter uma conversa legal, se encantar, esperar algo mais, não obter mais retorno e acabar se decepcionando. Assim como os velhos amigos do mundo virtual das salas de bate-papo, as pessoas que conhecemos no Tinder, tanto virtualmente quanto pessoalmente, podem sumir em um piscar de olhos, sem explicações, sem sensibilidade. Para mim, o Tinder valeu como uma experiência para conhecer pessoas novas, mas como instrumento para me oferecer algo mais profundo e significativo a longo prazo, não. Ainda não.


PS: Se for sair com um desconhecido (a), escolha um local público. Previna-se. Tem muita gente doida por aí.

sábado, 11 de abril de 2015

O Baile Do Androide

Não costumo sair muito. Meus raros passeios baseiam-se em missões específicas com finalidades bem definidas. No ano passado resolvi ir a um show realizado no Circo Voador, aqui no Rio. O objetivo era averiguar se eu iria demonstrar visivelmente ou sentir alguma emoção assistindo àquele espetáculo. 
 

Para ficar em um clima calmo e neutro, pus uma camiseta lisa azul, sem estampa, uma calça jeans e um tênis, para variar, também azulado. Além disso, coloquei meus óculos de grau e uma boina, para ficar com uma expressão que dizia “cai fora” no rosto. Pensando bem, fiquei parecendo um pseudocult. E parti só rumo a mais uma aventura emocionante.
 

Cheguei ao local e comprei meu ingresso. O momento da compra foi o único em toda a noite em que interagi verbalmente com outro ser humano, não por desprezo alheio, mas sim por opção minha. Não estava afim de papo, e sim de música. Após ter pego meu ingresso, aguardei nos Arcos da Lapa até a fila da entrada começar a andar.


O evento era composto por três apresentações musicais, sendo uma banda de abertura, a atração principal e um grupo de encerramento. Conhecia o som de todos, o que me levou a ir assisti-los. Em meio a uma fase da vida cheia de tédio e solidão precisava sair para curtir algo que eu gostasse de verdade, indo a algum lugar por querer e não por obrigação ou por segundas intenções.


A noite acabou sendo ótima. Estava tudo perfeito. A música era boa, havia garotas bonitas, a plateia estava comportada. Pude assistir a todas as apresentações com tranquilidade. Mas no rosto eu carregava sempre a mesma expressão indiferente e robótica. Boca fechada, sem balanço e sem swing. Curti o show à minha maneira, em transe e hipnotizado, sem pular, gritar, ou cantar, apenas ouvindo as canções, estático no meio da multidão. O som das músicas era tudo que me importava.


O episódio me lembrou outro. Uma vez fui a um evento voltado para tecnologia, em busca de uma entrevista para o meu TCC. Na entrada distribuíam adesivos com números: se você encontrasse outra pessoa com o mesmo número que o seu podia ganhar um brinde em uma das tendas. Meu par me encontrou. Quando me viu a garota me disse “Nossa amigo, anime-se. Porque essa cara de desânimo?”. Fiquei pensativo com o comentário daquela desconhecida, pois nem estava infeliz, mas sim na minha expressão default. No meu interior me sentia sereno, calmo e paciente como um jedi. Nem feliz nem triste, apenas na minha habitual normalidade. Para não ficar mal, esbocei um sorriso, mas não empolguem-se pois ela tinha namorado.


Ao assistir ao show, eu era apenas um cara apreciando estar bem e sozinho. Estava tão cheio de desilusões em relação às pessoas que marcavam compromissos comigo que sequer tentei convidar alguém. É o que acontece após ouvir não tantas vezes. Chega uma hora que cansa. Admito que seria uma noite bem mais memorável, se eu a tivesse dividido com alguém mas como diz o ditado, antes só do que mal acompanhado. A meu favor estava uma das vantagens de ser um homem de dois metros de altura: posso sair à noite sozinho e não ser assediado por desconhecidos, apesar de correr ainda assim outros perigos.
 

Não fui lá para beber, flertar com garotas, fazer amigos, nem dançar. Fui apenas ver o show, ser parte da plateia, um anônimo na multidão, e assim o fiz. Embora o desfrute não fosse visível foi uma das melhores noites da minha vida. Às vezes não é tão ruim ser frio como o gelo.


PS: Caso não tenha clicado nos links, o show foi o do Cícero, com participação da banda Baleia e do Bloco Pra Iaiá.