sábado, 11 de abril de 2015

O Baile Do Androide

Não costumo sair muito. Meus raros passeios baseiam-se em missões específicas com finalidades bem definidas. No ano passado resolvi ir a um show realizado no Circo Voador, aqui no Rio. O objetivo era averiguar se eu iria demonstrar visivelmente ou sentir alguma emoção assistindo àquele espetáculo. 
 

Para ficar em um clima calmo e neutro, pus uma camiseta lisa azul, sem estampa, uma calça jeans e um tênis, para variar, também azulado. Além disso, coloquei meus óculos de grau e uma boina, para ficar com uma expressão que dizia “cai fora” no rosto. Pensando bem, fiquei parecendo um pseudocult. E parti só rumo a mais uma aventura emocionante.
 

Cheguei ao local e comprei meu ingresso. O momento da compra foi o único em toda a noite em que interagi verbalmente com outro ser humano, não por desprezo alheio, mas sim por opção minha. Não estava afim de papo, e sim de música. Após ter pego meu ingresso, aguardei nos Arcos da Lapa até a fila da entrada começar a andar.


O evento era composto por três apresentações musicais, sendo uma banda de abertura, a atração principal e um grupo de encerramento. Conhecia o som de todos, o que me levou a ir assisti-los. Em meio a uma fase da vida cheia de tédio e solidão precisava sair para curtir algo que eu gostasse de verdade, indo a algum lugar por querer e não por obrigação ou por segundas intenções.


A noite acabou sendo ótima. Estava tudo perfeito. A música era boa, havia garotas bonitas, a plateia estava comportada. Pude assistir a todas as apresentações com tranquilidade. Mas no rosto eu carregava sempre a mesma expressão indiferente e robótica. Boca fechada, sem balanço e sem swing. Curti o show à minha maneira, em transe e hipnotizado, sem pular, gritar, ou cantar, apenas ouvindo as canções, estático no meio da multidão. O som das músicas era tudo que me importava.


O episódio me lembrou outro. Uma vez fui a um evento voltado para tecnologia, em busca de uma entrevista para o meu TCC. Na entrada distribuíam adesivos com números: se você encontrasse outra pessoa com o mesmo número que o seu podia ganhar um brinde em uma das tendas. Meu par me encontrou. Quando me viu a garota me disse “Nossa amigo, anime-se. Porque essa cara de desânimo?”. Fiquei pensativo com o comentário daquela desconhecida, pois nem estava infeliz, mas sim na minha expressão default. No meu interior me sentia sereno, calmo e paciente como um jedi. Nem feliz nem triste, apenas na minha habitual normalidade. Para não ficar mal, esbocei um sorriso, mas não empolguem-se pois ela tinha namorado.


Ao assistir ao show, eu era apenas um cara apreciando estar bem e sozinho. Estava tão cheio de desilusões em relação às pessoas que marcavam compromissos comigo que sequer tentei convidar alguém. É o que acontece após ouvir não tantas vezes. Chega uma hora que cansa. Admito que seria uma noite bem mais memorável, se eu a tivesse dividido com alguém mas como diz o ditado, antes só do que mal acompanhado. A meu favor estava uma das vantagens de ser um homem de dois metros de altura: posso sair à noite sozinho e não ser assediado por desconhecidos, apesar de correr ainda assim outros perigos.
 

Não fui lá para beber, flertar com garotas, fazer amigos, nem dançar. Fui apenas ver o show, ser parte da plateia, um anônimo na multidão, e assim o fiz. Embora o desfrute não fosse visível foi uma das melhores noites da minha vida. Às vezes não é tão ruim ser frio como o gelo.


PS: Caso não tenha clicado nos links, o show foi o do Cícero, com participação da banda Baleia e do Bloco Pra Iaiá.

2 comentários: