sábado, 20 de agosto de 2011

O Canto Do Sabiá

Em uma extensa tarde de ócio que só essa vida de desempregado e desacreditado me permite ter resolvi relaxar ouvindo músicas no PC. Coloquei o Windows Media Player no modo de reprodução aleatória a fim de obter surpresas agradáveis dentro das mais de duas mil e quinhentas músicas que possuo armazenadas na memória de meu computador. Ou não. Afinal todos nós possuímos um conhecimento considerável daquilo que nos pertence há um longo tempo e essa verdade é válida até mesmo para algo tão imaterial quanto arquivos de mp3. Desse modo o inesperado não deveria se manifestar diante dos meus olhos, ou melhor, diante dos meus ouvidos. Só que acabei me surpreendendo com o que ouvi dessa vez.
Começou a tocar Sabiá do MPB4. Música velha. Na verdade ela é do Chico Buarque, mas a versão que tenho em mp3 é executada pelo MPB4.


O que há de surpreendente nisso? Há o fato dela ter sido executada. Mais de oitenta por cento das músicas que possuo em arquivos digitais não são cantadas por artistas nacionais e justamente por esse menor número de representantes, menor a probabilidade de uma música cantada em português ser executada. Considerando tal desvantagem, a minoria se saiu muito bem conseguindo manifestar-se e garantir o seu espaço em meio a hegemonia. Pelo menos no meu computador isso foi possível. Ainda assim há outro motivo. O real motivo que me serviu de inspiração para escrever hoje.
Sabiá me fez voltar no tempo e lembrar do passado, especificamente do ano de 2009. Recordar me fez ver que a minha situação de vida pode até ter mudado um pouco, mas mesmo assim ainda existem certas semelhanças. Nas tardes daquele ano, por exemplo, eu também ficava estacionado dentro de casa, não de vagabundagem como hoje em dia, mas estudando para o vestibular. À tarde, eu parava de estudar para ficar assistindo ao Vale A Pena Ver De Novo, bebendo café e comendo biscoito Cream Cracker com goiabada (coisas de pobre). A novela reprisada na época era Senhora do Destino. Aquela mesmo. Com a Nazaré, a vilã que além de roubar bebê em hospital, matava as pessoas empurrando-as da escada de sua sala de estar. Nem sou um assíduo telespectador de novelas, mas admito que assistia à essa, tanto na primeira exibição quanto na reprise.


Já ia me esquecendo da música. Sabiá era a música tema de Sebastião, um personagem secundário que trabalhava como motorista e que constantemente ficava dentro do carro que ganhou de herança da sua antiga patroa, por quem tinha uma espécie de amor platônico. Dentro do carro ficava relembrando momentos de seu passado de forma saudosa e melancólica. Nessas cenas sempre tocavam essa música. ”Vou voltar. Sei que ainda vou voltar.” De tanto ouvi-la durante aquele ano resolvi baixá-la e tinha me esquecido dela até há alguns dias atrás.
Naquela época quando a ouvia lembrava do meu passado recém encerrado de estudante. Uniformizado pelo menos. As boas recordações voltavam a minha cabeça e enfim percebi que na verdade sentia falta de tudo aquilo, até mesmo das coisas ruins que hoje acho cômicas. Agora no presente, quando a ouvi lembrei-me desse exato ano de 2009, um ano de transição, o menos favorito da minha até agora curta trajetória de vida. Não quero me alongar muito falando dele, mas é justo dar pelo menos uma explicação para o meu desgosto por esse ano. Nunca fui um tarado por atenção, mas ficar invisível para mais de 100 almas durante o período de um ano inteiro foi uma experiência bastante ruim, eu diria até que deprimente e disso eu não sinto falta alguma. 2009 já foi tarde e para mim é um tabu, uma fase da minha vida a ser renegado. Quem sabe algum dia eu reconsidere e mude de opinião.


A lição de toda essa história é que a memória é alterada conforme as situações as quais vivemos e isso acontece constantemente. A música me fez ver como a nossa memória pode ser maleável; a mesma música me fez lembrar ora de momentos de alegria, ora de um momento de tristeza, sentimentos bastante distintos que ocorreram em momentos distintos. Possuímos afeição por objetos, lugares, eventos e situações. Tais elementos podem se associar a lembranças, como a música Sabiá e com o passar do tempo o mesmo objeto pode evocar múltiplas lembranças, como se funcionasse como um recipiente de memórias. A música tem a facilidade de evocar facilmente uma lembrança do nosso passado; acaba se tornando tema de um momento, de uma situação da vida. Uma música hoje tem um significado para a gente; amanhã a mesma música pode ter outro significado.
Assim é a vida. Novidades surgem a cada dia que vivemos e mais elementos são acrescentados a nossa história de vida. Fica um desejo de permanência das lembranças boas e de esquecimento das lembranças ruins, mas nem sempre isso é possível. Na nossa memória há espaço para ambas.

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